CAPITULI 01 - PODER ORIGINÁRIO

25/04/2013 09:03

CAPÍTULO 01

 

A PROCURA de PROPORÇÃO e da COERÊNCIA

 

Na busca da proporção coloca-se uma rede objetos como modelos/cópias ou simulacros de problemáticas reais procurando enunciar as regras de estruturação da figura do Poder Originário conferindo-lhe certa ordem entre os seus elementos e sob a ótica do polo morfológico.

 

1.01 – os estragos do gigantismo.; 1.02 – a procura da proporção; 1.03 – a proporção da representação do povo; 1.04 – o ser humano comprovadamente não nasce social; 1.05 – competências da autoridade; 1.06 – o Poder Originário e o "quarto poder"; 1.07 – a autoridade e os atravessadores de influências; 1.08 – o poder, a autoridade e a informação; 1.09 – o pátrio poder, o município e a sua administração; 1.10 – o preço para administrar um grande país a partir da base dos seus municípios; 1.11 – o Poder Originário, a informática e as suas luzes; 1.12 – a democracia como virtude complexa e característica das sociedades evoluídas; 1.13 – voto não é democracia; 1.14 - estados soberanos da América.

 

 

1.01 - Os ESTRAGOS do GIGANTISMO.

 

"Todo contínuo pode ser divido em infinitas partes"

Leonardo da Vinci

 

No inicio coloca-se o objetivo geral que é do colaborar na construção de uma civilização contrapondo ao projeto da simples e da pura demolição, agressão e terra arrasada, para ver como fica. Esta construção conceitual será operada com a mediação do polo morfológico. Aceita-se a concepção de Bruyne quando esclarece (1977: 35/6) que:

"o polo morfológico é a instância que enuncia as regras de estruturação, de formação do objeto científico, impõe-lhe uma certa figura, uma certa ordem entre seus elementos. Permite colocar um espaço de causação em rede onde se constroem os objetos científicos, seja como modelos/cópias, seja como simulacros de problemáticas reais."

Nesta ordem e por meio desta figura há necessidade de examinar os dados concernentes à cidadania na sua individualidade no âmbito do espaço público do Estado no qual interage com outras individualidades. De posse efetiva destes dados necessários é possível lançar-se na aventura do projeto da construção pretendida. A etapa seguinte é da socialização deste projeto para obter a efetiva anuência para passar ao estágio do contrato e pacto. Uma ação efetiva e sadia exige este fundamento para passar ao mundo prático, manutenção e reprodução por tempo indeterminado

A responsabilidade do cidadão é inversamente proporcional ao tamanho físico e ideológico do Estado. Diante do seu tamanho continental e a sua diversidade cultural o Brasil necessita constante equacionamento da relação entre a forma do Estado e o seu cidadão. Para tanto não é suficiente incinerar as bandeiras e proibir os hinos dos seus estados federados. Antes de qualquer busca de proporção, há necessidade visual do conceito de forma. A Forma é o terreno permanente das artes. Nelas o teórico Wölfflin percebe (1990: 874) duas concepções distintas. Para ele "a forma é uma noção ambígua nas artes visuais: ela designa ali tanto a configuração do objeto representado como elementos e o sistema do qual se serve para dar conta dos objetos". Assim a forma do Estado pode-se materializar no seu tamanho físico e todo Estado luta para demarcar fisicamente, possuir e manter o espaço da sua ação. Esta ação vale-se de todo o sistema humano e ideológico para atingir os projetos da nação que se encarnou físico e relacional humano possível nesta forma.

Todos conhecem os nefastos estragos das escolhas equivocadas da proporção realizadas a partir do espaço físico e relacional humano possível nesta forma do Estado. Estes nefastos estragos são arrastados para a cena pública e ali prolongados pala aparente contradição entre micro e macro história. Este é equivoco denunciada por Guinsburg quando afirma (in Palhares-Burke, 1999: 9) que "a ideia de opor a micro história à macro história não faz sentido e é absurda a oposição entre história social e política". A contradição é perfeitamente transformada em complementariedade e ali brota uma forma de História Politica que é umas áreas mais promissoras das Ciências Humanas.

Sem a percepção e os recursos desta transformação desta contradição em complementariedade cidadão, ou é esmagado pelo gigantismo deste Estado. Ou pior, é pervertido, radical e definitivamente, pela força desproporcional de um Estado hipertrofiado e central. Foucault percebe esta armadilha humana quando escreveu (1995: 292) que "a supervalorização do problema do Estado tem uma forma imediata, efetiva e trágica: o lirismo do monstro frio frente aos indivíduos; a outra forma é a análise que consiste em reduzir o Estado a determinado número de funções". Contudo esta operação exige agentes capazes de reproduzir e renovar. Agentes capazes de vencer a desproporção do mongolismo estatal gera o contraditório que se manifesta na perversão do EGO incentivado ao crescimento desmesurado. Esta perversão do EGO faz com que o indivíduo não só perca a sua própria sombra, mas também a sua autonomia e seu senso crítico e ético. Este monstro desfila diante dos nossos olhos pronto para praticar qualquer crime como resultado e em nome do "seu" Estado e de si próprio.

As instituições possuem o papel de garantir uma escala, explicitado no seu projeto, entre o gigantismo do Estado - que se quer unitário - e as figuras a dos seus cidadãos que se querem absolutamente distintos entre si mesmos. A autonomia destes cidadãos sem a sua diferenciação e a sua individuação serio caminho direto para o "tipo" desejado pelos Estados totalitários que trabalha para comandar um povo com uma única cabeça. Este absurdo foi denunciado por Hannah Arendt ao escrever (1983 pp. 42 /3) que:

"a ação seria um luxo supérfluo, uma invenção caprichosa nas leis gerais do comportamento, se os homens fossem repetições reproduzíveis ao infinito de um e mesmo e único modelo, se a sua natureza ou essência fossem sempre a mesma, tão previsível como a essência ou natureza de um objeto qualquer. A pluralidade é a condição da ação humana, porque todos semelhantes, sem que jamais uma pessoa seja idêntica a um outro homem que já viveu, vivendo ou ainda por nascer".

No Brasil os regimes Coloniais e Imperiais chamavam todas as instituições para o seu trono metropolitano. Estas instituições arrastaram todos seus súditos, em cortejo, para a vassalagem unificadora, senão para à escravidão. O Regime Republicano contra-atacou conferindo soberania às províncias imperiais e remeteu para o espaço público do cartório as relações entre os cidadãos republicanos desfazendo a atração de vassalagem mítica ao trono. Porém o hábito da vassalagem, ao Estado Central, era forte demais e levou a lutas fratricidas. A novidade republicana de Estados regionais soberanos – inéditos na legislação política brasileira – arrastou a nação para a Revolta de 1893. Conduziu ao impasse que levou à Revolução de 1930. O Estado Novo totalitário, de 1937, queimou fisicamente as bandeiras dos Estados regionais e proibiu seus hinos e símbolos.

A cultura do súdito e o hábito da vassalagem ao Estado Central permaneceram vivos e ativos devido à falta de uma proporção moldada na cidadania. Este súdito adora e aplaude obras faraônicas e proporcionais ao Estado Nacional totalitário. Nesta cultura do súdito e hábitos da vassalagem ao Estado Central, permaneceram intocados e submersos os abismos sociais e étnicos dos desníveis sociais que se tornam instransponíveis. O Estado Nacional totalitário atemoriza, por todos os meios, aqueles que deveriam ser o seu poder originário. Mantém na vassalagem estatal, assim, este poder originário e alega que não possui instrumentos eficientes para impulsionar a circulação do poder da interação com ao nível da cidadania. Além disto, abrem-se gigantescas oportunidades para a exploração e a rapinagem econômica, praticada pelo mais forte e competente. Para tanto o Estado megalômano instala imediatamente, agentes submissos à cultura do súdito nos eventuais nichos de poder abertos por esta força desproporcional. As sobras sociais formam cinturões de favelas que cercam as cidades brasileiras cada vez mais numerosas e densas e visíveis sem esforço algum. O máximo que o Estado Nacional totalitário consegue é colaborar na carnavalizar estas relações injustas, por meio do marketing de eventos, como a propaganda da "Fome Zero".

Há necessidade de concordar com Accurso ao afirmar (1990 p.21) que "de maneira geral, no Brasil, o encaminhamento de soluções não guarda escala com os problemas brasileiros". Para construir uma escala deste gigantismo existem soluções. Estas soluções decorrem da imperiosa necessidade de entender as recorrentes crises e administrá-las no mundo contemporâneo. Uma crise na concepção de Kuhn ocorre, no âmbito da própria Ciência, ao escrever (1997, p.105 e p. 115) que "o significada das crises consiste exatamente no fato de que indicam que é chegada a ocasião para renovar os instrumentos [...]Todas as crises iniciam com o obscurecimento de um paradigma e o consequente relaxamento das regras que orienta a pesquisa normal". Inicialmente é necessário permanecer atento de que aqui se aponta o potencial decorrente do uso do ferramental da era numérica digital e distinto da época anterior. Este ferramental potencializa e permite soluções distintas reconduzir a origem do poder a partir da administração municipal destas, após as sucessivas crises de um poder central. Nesta administração nenhum cidadão é maior do que o seu próprio município. Este cidadão percebe e sente isto pelo fato e na medida em que ali estão ativas as três funções das vertentes administrativas de um Estado contemporâneo da clássica divisão montesquiniana. De outra parte o exercício e a circulação do poder municipal não são estranhos a este cidadão. O município foi o instrumento político brasileiro herdado da administração lusa. Esta por sua vez o recebeu da tradição e legislação romana. Nesta havia ainda a instituição do pátrio poder, constituindo um ponto de equilíbrio colocado entre o Estado e o indivíduo. De outra parte é necessário permanecer atento de que aqui se aponta o potencial decorrente do uso do ferramental distinto da era numérica digital.

A decadência do Império Romana foi acelerada pela destruição das austeras células republicanas e do pátrio poder. Células sociais por meio das quais a pessoa humana avulsa podia identificar-se, reconhecer-se e fazer sentido no seu pertencimento ao coletivo do Estado Romano. Diante do gigantismo do Estado, avassalador de todas as individualidades, o sobrenome familiar do cidadão ainda é uma tentativa atual para uma pessoa humana vincular o pátrio poder.

 

 

1.02 - A PROCURA da PROPORÇÃO.

 

"Na democracia não há grande bem ou grande mal"

Platão : 1983 308

 

Os regimes totalitários realizaram trabalhos gigantescos, mas também causaram desgraças monstruosas. As pirâmides egípcias ou a muralha da China foram frutos de imensa coerção social provocada pelo gigantismo desmesurado do Estado, e que, no seu final, arruinou os seus próprios criadores. Com as lanças ou as baionetas, dá para fazer tudo, menos ficar sentado confortavelmente em cima das suas pontas.

Neste "fazer tudo" reside a concepção da práxis. Esta constitui o mundo do fazer distinto do mundo do falar, cogitar e do ócio. Distintos da práxis podem ser incluídos, como tais, no mundo do agir e dos atos. Hannah Arendt percebe (1983: 194/5) que:

"o processo do fazer é em si mesmo inteiramente determinado pelas categorias do fim e dos meios. O objeto fabricado é um fim neste duplo sentido, que o processo da produção ali se conclui e apenas existe que um único meio de produzir esse fim"

No Para a mesma Hannah Arendt (1983: 235 e 266) a:

"palavra (lexis) adere mais estreitamente a verdade do que a praxis, segundo Platão [...] O sentido profundo do ato e da palavra não dependem nem da vitória nem da derrota, nem de um desvio eventual, de nenhuma consequência boa ou má".

Nesta maior adesão à verdade e no equilíbrio resultante reside "a felicidade da formação equilibrada de todas as forças humanas" nas sintéticas e sábias palavras de Schiller, o autor da ode à Alegria da Nona Sinfonia de Beethoven. A possibilidade de a criatura humana atingir a verdade sempre esteve em todos os horizontes dos mais diversos sistemas filosóficos. Pragmático Aristóteles (1973: 342/3 .1139b 15) listava "as disposições em virtude das quais a alma possui a verdade, quer afirmando, que negando, são em número de cinco: a arte, o conhecimento cientifico, a sabedoria prática, a sabedoria filosófica e a razão intuitiva". Com um imenso acumulado de discussões a respeito deste tema Hannah Arendt discute (1983: 245 /6)

"a velha oposição da verdade dos sentidos e da verdade racional, da inferioridade dos sentidos, menos capazes de atingir a verdade, e da superioridade da razão, mas apta para a verdade, esta oposição se apaga diante desse desafio, diante dessa evidência implícita, que nem a verdade nem o real, são dados, que nem um nem outro aparecem tais quais, e que somente a operação sobre a aparência, a supressão das aparências, pode fazer aguardar um conhecimento verdadeiro".

Na supressão das aparências que uma narrativa de uma ação histórica pode propiciar no comprometimento da verdade é uma preocupação de Chartier que avisa (1998: 197)

"o historiador tem por tarefa especifica de dar um conhecimento apropriado, controlado, dessa «população de mortes- personagens, mentalidades, prêmios» que são seu objeto. Abandonar esta intenção de verdade, pode ser desmesurado mas seguramente fundador, seria deixar livre a todas as falsificações".

O intelectual Bereson encontrou uma tábua de salvação neste mar de incertezas quando afirma (1953: 112) que "a arte visual não pode mentir".

No universo pragmático a criatura humana aprendeu a unir a verdade no equilíbrio entre o racional com a dos seus sentidos. Assim manteve produtiva as suas linhas de montagem ao longo da era industrial e que necessitam acumular abundantes bens, insumos, máquinas, capital e uma diversificada mão de obra. Esta produção material projetou-se no mundo social e político gerando padrões culturais. Estes "padrões culturais sobrevivem na medida em que persistem as situações que lhe deram origem, ou alteram o seu significado para expressar novos problemas" conforme Durham (in Oliven, 1992: 20/1) Neste ambiente de aprendizagem da era industrial os agentes políticos transferiram e aplicaram aos entes estatais. Nestes entes estatais também acumularam agentes, capital e insumos que permitiram o funcionamento de mecanismos burocráticos, á semelhança das linhas de montagem industrial. Na unificação italiana (1865) e da alemã (1871) estes imperativos foram fundamentais para o efetivo funcionamento destes novos entes estatais. Nesta lógica industrial o colonialismo tornou-se necessário para estas potências coloniais emergentes. O projeto colonialista era garantia da continuidade do ingresso de insumos, de agentes baratos e para escoar a produção das suas máquinas. Na circulação do sistema de dominação completa, necessitavam de territórios cativos e exclusivos para remeter para estas colônias as sobras e os refugos da lógica industrial, constituindo-se em depósitos seguros dos desqualificados e inaproveitáveis no território metropolitano. O instrumento preferencial e quase único, foi a linguagem que Barthes universalizou (1967: 9) pois "o homem está condenada à linguagem e nenhuma empresa semiológica pode ignorá-la". Mais universal ainda Heidegger escreve (1983: 23) que a linguagem "corresponde e se harmoniza e põe de acordo com a voz do ser, do ente. Esse corresponder é o falar". No plano somático Maturana e Varela concluíram (1996: 181) que "operamos em linguagem quando um observador registra que temos como objetos de nossas distinções linguísticos elementos de nosso domínio linguístico". A linguagem como instrumente da análise na linha do método cartesiano Recht afirmou (1998: 11) o:

"que não poder ser decomposto diretamente, é necessário tentar dissociá-lo indiretamente ou idealmente – quer dizer elevá-lo ao nível da linguagem – em seguida decompõe-se o fenômeno – a expressão – encontrando-se assim as partes constituintes e sua relação"

A era industrial desativou, na sua lógica cartesiana, aquilo construído ao longo da era agrícola. Em nome do sistema de dominação acumulativa completa, desqualificou qualquer circulação na proporção humana. No seu lugar instalou, fez funcionar e reproduzir um vigoroso fetichismo linguístico. O pensador brasileiro Ianni resumiu (1992: 11 /2) afirmando que:

"depois de mostrar como o valor de-uso esconde o valor-de-troca e ambos escondem o valor-de-trabalho, de mostrar, por tanto. que a mercadoria é trabalho social cristalizado e alienado, Marx se dedica a examinar o seu fetichismo. Isto é, se queremos encontrar uma analogia com este fenômeno, precisamos elevar-nos às regiões nebulosas do mundo da religião, onde os produtos da mente humana assemelham-se a seres dotados de vida própria de existência independente, mantendo relações entre si, como com os humanos".

A linha de montagem e as máquinas, com esta "aparente vida própria" trabalhando em escala industrial, destruíram esta proporção construída do contato humano íntimo do ritmo da Natureza. Na concepção do sentido de um valor nesta busca de proporção e as suas relações com o todo.

Bourdieu afirmou (1996ª: 259) que "uma perturbação que se produz no sistema de valores, repercute profundamente não só no conjunto da cultura, mas também nas outras instâncias da vida social". O próprio autor de uma obra de arte é colocado em segundo plano diante do fetiche gerado pelo mercado. Bourdieu faz depender (1987: 109) este reconhecimento: "o valor da obra de arte não é o artista, mas o campo de produção enquanto universo de crença que produz o valor da obra de arte como um fetiche ao produzir a crença no poder criador do artista". Esta distinção Hannah Arendt a percebe entre a obra pela ferramenta artesanal e aquela gerada pela máquina quando escreveu (1983 p. 200) que "a ferramenta a mais refinada permanece ao serviço da mão que não pode nem guiar nem substituir. A máquina, a mais primitiva, guia o trabalho corporal e eventualmente pode substituí-lo de fato". A ferramenta é típica da criatura humana ainda próxima da Natureza incluindo o agricultor. Já a máquina exige uma "aparente vida própria".

Esta desproporção contaminou toda a vida política, cultural e alastrou-se pelos templos, gerando multidões famintas por um "grande pai". Este se materializava e subiu ao palco da vida pública realizando gestos paternalistas grotescos e que os mais ferozes ditadores da História não escamoteavam. Não é possível sustentar que Stalin, Hitler, Mao-Tse-Tung ou Pio XII foram grandes personagens ou ENTES em si mesmos. Contudo a "mass-media" necessitava deles apenas para personificar o grande "grande pai" ou Leviatã estatal de Hobbes. Estes "grandes pais" prestaram o seu nome e a sua imagem para a lógica de sua época e seu local com o objetivo e a finalidade que lhes impunha o funcionamento do sistema industrial. Não é por acaso que as suas efígies e imagens constam cédulas do meio circulante da sua época. Transferiam para a era industrial a tradição das efigies de reis e imperadores. Porém as moedas, da era agrícola, tinham lastro físico em metais preciosos enquanto as contemporâneas se referem á informação em relação à força de trabalho, a sua produção e a sua circulação.

No contraponto, no interior da cultura, gerada pela informática numérica digital, este "grande pai" perde o seu sentido e o seu poder totalitário. Este sentido de poder totalitário é dissolvido na concepção de Bourdieu anotou (1994: 104 - nota) em relação aos:

"conflitos de gerações que não opõe classes de idades separadas por propriedades da natureza, mas habitus produzidos por maneiras de gerações diferentes, quer dizer através de condições de existência que, impondo diferentes condições do impossível, do possível ou do provável oferecem para provar, práticas ou aspirações, que para alguns parecem como naturais ou razoáveis e para outros como impensáveis ou escandalosos, ou inversamente".

Nessa dissolução e naturalização o grande Leviatã estatal, cuja figura e forma emergiam, além do medo que ele impunha, da era industrial também seguem a lei da entropia e vão parar no museu da História. Neste novo meio comandada pela informação numérica virtual é possível implantar uma rede de circulação do poder que questionar o poder totalitário personalizado ele é desmontado como arcaico e disfuncional ao exemplo das fábricas em ruínas. O medo residual do "Big-Brother" ainda é alimentado pelo medo daqueles que não conseguem a acompanhar e interagir com a circulação necessária à informação numérica virtual. Esta circulação constitui um novo modo de "ser entre" que um termo que também foi naturalizado sob a designação de "interesse". A refletir em relação ao "interesse" Hannah Arendt escreveu (1983: 239/40) que:

"a ação e a palavra, dirigidas aos humanos, tem lugar entre humanos, e elas guardam o seu poder de revelação-do-agente mesmo se seu conteúdo é exclusivamente «objetivo» e não diga respeito aos feitos do mundo dos objetos nos quais se movem os homens, que se estende materialmente entre eles o do qual provém seus interesses do-mundo, objetivos, específicos. Esses interesses constituem, no sentido o mais literal da palavra, que inter-est , que está entre as pessoas e por conseguinte pode aproximar e os ligar."

Resguardada esta concepção de "interesse" é impossível retornar para o âmbito, a prática e a mentalidade do poder dos pequenos feudos. O "interesse" hoje é planetário. A política os "interesses" restritos dos coronéis ou das tabas indígenas primitivas não possui nem proporção e nem sentido. A circulação do poder no meio de uma rede de informação numérica digital de natureza planetária é desproporcional e sem sentido presa e fixa aos feudos estáticos. Apenas são máscaras. Estas máscaras, valendo-se deste medo residual da era agrícola, reforçada pelas estratégias da era industrial, podem assustar e servir como estratégias para surpreender tanto o Executivo, o Legislativo e o Judiciário municipal. Mas, no meio de uma rede de informação numérica digital de natureza planetária, será sempre uma farsa do poder.

No contraditório há necessidade de revistar a experiência europeia, com evidência as repúblicas do Renascimento Italiano. Na passagem do mundo feudal para o moderno estas repúblicas teriam o plano do que hoje seria o poder municipal. Porem elas não nasceram no vazio. Os estudantes da universidade de Bolonha (a partir de 1088) formavam pequenas repúblicas. Estes mesmos estudantes, após o seu retorno dos seus estudos e com as suas experiências nas repúblicas estudantis de sua universidade, formaram pequenas repúblicas nas cidades italianas. A arte, a cidadania, formou ali a base da experiência renascentista que produziu grandes personagens cuja memória é universalmente cultivada. Contudo ignora-se a origem e a proporção que lhes foi propiciado pelas experiência republicana e cidadã estas repúblicas de sua origem. Os próprios gênios não entenderam as virtudes destas pequenas repúblicas e suas comunidades de origem. Estes gênios, originários das experiências primitivas das repúblicas italianas, colocaram-se a serviço dos grandes projetos expansionistas europeus. Agiram nos grandes reinos centralizados, onde trocaram a sua liberdade, cidadania e autonomia republicana pelo ouro das Américas. Mergulharam novamente na heteronomia da cultura européia tradicional. Cultura novamente comandada pelo inconsciente coletivo, agora sob o embate maniqueísta entre a Reforma ou Contra-Reforma. A "Propaganda da Fé" e o "Livre Arbítrio" foram os dois polos antagônicos dos motores que movem o capitalismo com reflexos até os dias atuais. Reflexos latentes e profundamente cravados no inconsciente individual e coletivo, e mantidos vivos pelos valores da eternidade e da dúvida universal.

Os Estados Nacionais Soberanos comportariam 3 milhões de habitantes no máximo, sonhados por Augusto Comte, não puderam ser implementados. Estados que dariam conta, de certa forma do conceito de nação que lhe confere Max Weber (in Oliven 1996: 15) ao afirmar que nação é "uma comunidade de sentimentos que normalmente tende a produzir um Estado próprio". Aos produzirem os próprios Estados Nacionais formariam, manteriam e reproduziriam comunidades de sentimentos expressas em unidades políticas soberanas, com territórios nos quais todos os habitantes manteriam estes sentimentos e até poderiam se conhecer potencialmente. Constituiriam um retorno a um local romântico e saudosista da era agrícola. Sonho romântico impossível, pois submergiu na barragem da acumulação de mão de obras, de capitais, de insumos, de equipamentos e nas megalópoles e nas colônias necessárias para o funcionamento da era industrial.

Diante desta monstruosa acumulação, existe a necessidade de perguntar-se:

- O que constitui um grande mal ou um grande bem?

Um dos termos da proporção é "criatura humana como medida de todas as coisas", e que não pode ser ignorado. Este termo humano foi retomado de Protágoras pelo ideal do Renascimento Italiano. No entanto este termo é interno e endógeno, pois é pensado pelo próprio ser humano. A Natureza é um termo externo. A cultura humana é um terceiro termo. Resta o quarto termo, como em qualquer proporção, e que resulta, neste caso, da interação dos três anteriores. As informações disponíveis em relação ao SER humano, a imposição ecológica inadiável e a coerência com uma cultura legada pelo passado, determinam o quarto termo da proporção e por meio do qual é possível realizar novas criações. O grande bem ou grande mal dependem das exigências, competências e os limites justos e proporcionais desta ação. Nenhum destes quatro termos possui sentido isoladamente e pode ser tomado como solução definitiva.

Estes quatro termos agem num homeostase que busca um equilíbrio entre forças contrárias sem que exista um ponto central, fixo, único e definitivo de equilíbrio. Esta homeostase que Aristóteles descreveu (1973: 278 Ética a Nicômaco, livro II, 1108 23-29) "em todas as coisas o meio-termo é digno de ser louvado, mas às vezes devemos inclinar-nos para o excesso e outras para a deficiência. Efetivamente, essa é a maneira mais fácil de destingir o meio termo e o que é certo" . A atenção na relação às forças que se desenvolvem entre autor e o se leitor são polos opostos nesta homeostase que Compagnon descreveu (1996: 65/9) como:

"instituir um novo modelo de relação entre o sujeito e o objeto, entre o autor e o livro, modelo que, integrando de algum modo as condições de receptibilidade do texto fornecesse por si mesmo o principio de sua regulação, como um homeostato. A escrita só é possível quando um sujeito a sustenta, ela e as suas consequências."

Esta busca homeostática entre criatura humana impulsionada para a cultura após suprir as suas necessidades básicas da Natureza, como o alimento, aa saúde e a habitação conforme as concepções de Abraham Maslow. Esta criatura humana avança célere para a interação dos três anteriores depois de satisfazer as suas necessidades básicas. Hannah Arendt escreveu (1983: 363):

"seja o que for, a experiência fundamental na origem da inversão, da contemplação e da ação, foi exatamente que o homem não pode apaziguar a sua sede de conhecer senão depois de colocar a sua confiança na engenhosidade de suas mãos. Não foi porque a verdade e o conhecimento perdessem a importância, mas foi porque não se podia mais esperar que através da «ação» e não mais pela contemplação".

Porém esta dialética supõe um meio adequado e circunstâncias específicas para a criatura humana fazer surgir, desenvolver e reproduzir este potencial que lhe é imanente. Ela não nasceu preparada somática e psicologicamente para deflagrar, desenvolver e reproduzir este processo por si mesmo. No máximo necessitaria refazer, solitária, o acúmulo de milhões de anos de tentativas e erros da espécie toda. Como "a Vida é breve e a Arte é longa", Aristóteles já distinguia a bios da zoe. Nas palavras de Hannah Arendt (1983: 143) "É esta vida, bios em oposição ao simples zoè, que Aristóteles dizia que ela «era de alguma forma um espécie de praxis»". Nesta práxis despontam, amadurecem e se reproduzem as sementes da cultura humana a serem desenvolvidas ao longo da existência humana. Estas sementes, maduras e férteis, são transportadas para se reproduzirem em espaços novos e por tempo indeterminado. No sentido inverso, uma vez adquirida a cultura, permite lhe usar o potencial para realizar o diálogo diferenciado com a macro Natureza, recomeçando e ampliando o ciclo do crescimento. A criatura humana vale-se da Arte para expressar o estágio deste crescimento. De Masi percebe (1997: 13) a emoção é competente para ativar "a arte permite tanto amar a regra para corrigir a emoção (Braque) como amar a emoção que corrige a regra( Gris)" A Arte é distinta da cultura. Nesta discussão há necessidade de distinguir também os termos regra e paradigma na concepção de Kuhn (1997: 66) ao afirmar que:

"a ciência normal é uma atividade altamente determinada, mas não precisa ser inteiramente determinada por regras. É por isso que, no início deste e ensaio, introduzi a noção de paradigmas compartilhados, ao invés das noções de regras, pressupostos e pontos de vistas compartilhados como sendo a fonte da coerência para as tradições da pesquisa normal. As regras, segundo minha sugestão, derivam de paradigmas, podem dirigir a pesquisa, mesmo na ausência de regras".

Resumindo, a regra deriva dos paradigmas, enquanto estes não precisam ser determinados por regras. Afastando as diferenças superficiais e externas a Arte, a cultura, os paradigmas e as suas regras derivadas fornecem juntas um espaço de base universal para se constituir um índice de avaliação do "que constitui um grande mal ou um grande bem". Lucie Smith afirma (1981, p. 493) que:

"a sociedade nos ensina a interpretar a Arte. Com a arte podemos interpretar e entender a sociedade. O único meio para destruir a arte é destruir a sociedade. É a razão pela qual a vanguarda artística tentou interferir na sociedade existente".

As mais sólidas nacionalidades desmoronam aos nossos olhos na contemporaneidade. No plano individual: "os tabus são feitos para serem violados" na concepção de Didi-Hubermann (1995: 20) Assim cidade materiais ou tabus mentais não escapam da lei da entropia universal como em todos os tempos nos campos das construções mentais ou físicas. Esta não poupa qualquer criação humana, por mais geniais que sejam estas formas materiais ou imateriais. Para prorrogar esta ruína e contornar as forças da entropia universal a racionalidade administrativa humana aponta para dois caminhos opostos, de dialética constante e ativa. Nesta dialética podem contar e agir coerentemente com a Natureza com Ruben Oliven percebeu (1992: 27) esta força na Nação-tradição na qual "uma das razões pela qual a problemática da nação e da tradição permanece sendo extremamente atual, num mundo que tende a se tornar uma «aldeia-global» se deve ao fato de as pessoas continuarem a nascer num determinado país e região". Para agi coerentemente com a Natureza um dos caminhos são os pequenos Estados e com extensão territorial mínima como a Suíça, a Holanda e o Uruguai. No caminho oposto aos Estados minúsculos estão os blocos continentais em permanente estado critico e a beira de fragmentações como aconteceu com a Iugoslávia do pós Segunda Guerra Mundial.

Estados, com territórios minúsculos, como a Holanda, Israel e o Uruguai, produzem e exportam excedentes de alimentação e que concorrem com países de vastidões continentais. Esta produção de alimentos é potencializada pela informática numérica e digital que permitiu o acesso ao código genético, à energia e a difusão desta cultura entre seus cidadãos.

No caminho oposto ocorreu uma nova etapa da unificação da Europa, no início do ano de 1992, enquanto a URSS se fragmentava. O contrassenso é aparente, pois os Estados nacionais eslavos, que eram fortes e unidos pela coerência e pela lógica da era industrial, davam lugar aos Estados ocidentais europeus, já unidos pela lógica de uma cultura sustentada pelos instrumentos da era da informação numérica digital. Nesta era da informação numérica digital a pessoa humana possui uma visão e uma percepção planetária diferentes dos seus antepassados. Neste novo meio numérico digital a concepção de fractal de um todo é mais fácil. Conforme Leygonie escreveu (1994: 142) que a concepção de fractal foi:

"descoberta em 1903 por Von Koch e redescoberta em 1975 por Mendelbrodt. Na topologia, o desenho do litoral (ex: Grécia) e manchas reproduzem e sugerem essas características. Uso o conceito fractal na história no sentido de que não existe uma linearidade possível nos fatos observados e que cada fato institucional repete características do todo".

Esta percepção e aplicação do fractal permite expressar inclusive as lições provenientes do mundo de alguém que se criou e viveu nas cidades italianas do Renascimento. A nova visão decorre da aplicação da era da informação numérica digital e pela inserção da cultura humana nesta nova lógica. Esta inserção permite contraditoriamente contemplar do lado fora a origem da sua célula de origem. A exclamação do astronauta Iuri Gagarin de que "a Terra é azul" é uma das expressões desta contemplação externa. Contudo a cultura renascentista e aquela do astronauta russo, distante entre si de meio milênio, possuem em comum a busca do equacionamento entre o cidadão e o seu Estado nacional.

Em questões que relacionam à liberdade e à cidadania, Immanuel Kant sugere na Crítica da Razão Prática, Livro I, Teorema IV, que:

"a autonomia da vontade é o único princípio de todas as leis morais e dos deveres correspondentes às mesmas. Por outro lado, toda a heteronímia do livre arbítrio, não só deixa de fundamentar qualquer obrigação, como resulta contrário ao princípio desse arbitrário e moralidade da vontade".

A responsabilidade do cidadão, a partir destas circunstâncias, é inversamente proporcional o tamanho físico e ideológico do Estado. Em Estados ideologicamente Totalitários é Mínima a autonomia de vontade dos seus cidadãos. Não existe espaço, consequentemente, responsabilidade, mérito ou demérito, do bem ou do mal que o indivíduo possa praticar. Este tipo de Ente estatal reivindica, para si mesmo, todas as responsabilidades nas condutas que impõe de forma tirânica. As anistias pós-golpes mostram que toda a culpa cabe ao estado totalitário. Os torturadores e os torturados desejam esquecer um passado de cumplicidade recíproca e onde ninguém se sente culpado pela sua vida em comum imposta por um feroz estado totalitário central.

O caminho oposto da vida planetária é o retorno às rígidas estruturas de uma sociedade primitiva dos clãs tribais, nos quais todos se conhecem pessoalmente. Nestes clãs tibais reina uma taxinomia das posições culturais dos campos dos valores. Para Pierre Bourdieu esta taxionomia (1987: 109) se traduz "num valor propriamente cultural atribui marcas de distinções reconhecidas pelo campo como culturalmente pertinente e portanto suscetíveis de serem percebidos e reconhecidas enquanto tais". Na sua radicalidade rigidez a política primitiva não conhece proporções elaboradas. Na estética diria-se "feio como santo de caboclo". Os gostos, os tabus destes grupos são eternos, como aqueles da Natureza. Não evoluem para além de um parco repertório do "gostar" ou "não gostar". Assim são condenados a serem comandados por emoções alimentadas pela gerontocracia. Para confirmar isto basta observar os rituais de iniciação que estas sociedades primitivas impõem aos indivíduos que caem sob a sua tutela.

A dialética entre a cultura e a Natureza, produz forças capazes de sustentar a política, na célula municipal, que se equilibram num ponto crítico entre os grandes bens e os grandes males. Esta dialética entre grande bem e grande mal necessita ser resolvido tanto no plano do seu conhecimento como na ação concreta do agir humano. Marc Bloch permanece na dívida se é a inteligência ou se as mãos estão na origem das forças politicas quando afirma (1976) que "o homem coloca em ação a sua sede de busca através do uso das suas mãos. Enquanto o saber procura ficar ao nível da contemplação. Não há evidências se a tecnologia conduz a ciência ou é o contrário" A célula política municipal não escapa à esta dialética entre a contemplação da cultura intelectual ou se ela entrega a energia das forças tecnológicas. Neste jogo homeostático permanente o Poder Originário tenta equilibrar-se entre a cultura e a Natureza. A cultura aciona os seus poderes, criados artificialmente pelos projetos subjetivos que as tornam históricas e conectáveis a projetos similares. O poder da Natureza trabalha com as energias como aquelas do parentesco e da gerontocracia. Como Natureza, separa, discrimina e controla os agentes destas energias com argumentos objetivos e externos. Porém a dialética entre a cultura e a Natureza sempre permite transformar esta contradição em complementaridade. Especialmente se quisermos dar atenção para Hannah Arendt quando ela constata (1983: 397) na condição humana atual "o que conta hoje, não é a imortalidade, é que a vida seja o bem supremo" É de se perguntar: "COMO" e "QUANDO" esta complementaridade irá ocorrer na vida quotidiana do Poder Originário brasileiro. O perigo é embarcar na "nau dos insensatos" do ecletismo. A multiplicidade e a diversidade no Brasil provoca tentação permanente do formalismo eclético que aparentemente soluciona e acaba com o problema. O populismo, o marketing e a propaganda busca esta solução provisória e pontual sem atingirem o âmago, a fonte e a raiz da causa do problema, nesta direção Pernoud advertia (1997: 60) que "diversidade não quer dizer ecletismo". Mário da Andrade era bem mais rigoroso quando, em 1938, na época do Estado Novo fustigava (1955: 13) como "acomodatício e máscara de todas as covardias". De outra parte não é possível uma existência vivida em linha reta e única. A vida de um ser humano atravessa a existência como numa obra de arte e numa metáfora flutuante. Na construção de uma obra de arte Marchan Fiz escreveu (1996: 245) que ela "atravessa sem linearidade fica ao critério do fluxo da libido e do inconsciente"

 

1.03 - A PROPORÇÃO da REPRESENTAÇÃO do POVO.

 

Para transformar a ampla diversidade das contradições em complementaridade, propõe-se, aqui, a cultura do Poder Originário. Cultura que para Argan significa (1992: 23) a existência de um projeto que "fundamenta a ideia da ação histórica". No sentido da sua intima interação deste projeto com o Estado Nacional para Marques dos Santos (1997: 132) "compreende, a contrapartida da afirmação política da institucionalização dos Estado autônomo, uma espécie de missão civilizatória". Chaves de Melo distingue (1974: 25) a "cultura de civilização, onde, civilização supõe instituições". Já a Prof.ª Dr.ª. Maria Amélia Bulhões argumenta (1992, p. 58) que "na sociedade brasileira, onde tudo parece estar por ser feito, a recorrência a projetos modernos enunciados como ideais, já é uma tradição. A cada projeto sócio-econômico e político corresponde um projeto estético a ele articulado num processo de mútuo reforço".

Neste amplo e gigantesco espaço nacional este projeto torna-se rarefeito e geral. Este projeto ganho peso e sentido na célula municipal. Além de potencialmente atingir o universal este pequeno espaço regional conforme Gullar (in Mota, 1980: 237) permite "clamar em países subdesenvolvidos, pelo estudo e conhecimento de sua própria realidade não é, como se pretende fazer crer, frequentemente, uma atitude retrógrada ou anti-internacionalista, mas, pelo contrário, a verdadeira atitude internacionalista". Isto pelo fato empírico do espaço regional municipal estar ao alcance empírico e intelectual do cidadão. Nele possui um feedback mais rápido de suas aspirações e necessidades concretas e com menos obstáculos ruídos e rupturas. A cultura do projeto é potencialmente competente para implementar a origem, amadurecer e reproduzir do poder na sua fonte primeira. Ali transformar a ampla diversidade das contradições em complementaridade. O populismo e o ecletismo puramente formais e acomodatícios podem ser transformados imediatamente em complementariedade pelo projeto municipal. Este projeto possui ali mais força e centralidade para ser testado, questionado e reenviado para a sua origem.

Com certeza entra-se no conflito entre memória nacional, já petrificada e a memória que brota viva e plástica. Conflito que Ortiz conceitua (in Oliven, 1992: 20) como "memória coletiva dos grupos populares é particularizada, ao passo que a memória nacional é universal". O próprio Oliven entende (1992: 20) como "a memória nacional refere-se a uma entidade mais ampla e genérica (a nação), aproximando-se mais da ideologia e, por conseguinte, estende-se à sociedade como um todo e definindo-se como universal". O tema foi objeto de considerações de Eric J. Hobsbawnentre as quais (1990:32) se destaca "o que caracterizava o povo-nação, visto de baixo, era precisamente o fato de ele representar o interesse comum contra os interesses particulares e o bem comum contra o privilégio".

Prossegue-se aqui nesta "vista de baixo" de Hobsbawn. Nela destaca-se a existência legal e as competências municipais que decorrem da Constituição Brasileira de 1988. Competências com potencial para implementar, amadurecer e reproduzir o Poder Originário a partir da proximidade das instituições da sociedade civil. A Constituição Brasileira de 1988 reconheceu e legitimou o município como um dos entes da Organização do Estado. No preâmbulo desta Carta Magna constam os "Princípios Fundamentais - Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito". O capitulo 1º da ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA, qualifica no "Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição". Enfatiza-se o ideal e distingue-se que a República Federativa do Brasil é soberana, enquanto, os Estados regionais, o Distrito Federal e Municípios são autônomos.

Esta Constituição Cidadã sustenta o paradigma contrário a uma monarquia. Uma monarquia, mesmo constitucional, busca argumentos para confundir-se com Natureza de um povo inteiro. Nesta confusão apropria se e proclama-se estável ao longo do maior tempo possível e personalizado numa dimensão uni-familiar hereditária comandada pela Natureza. A Constituição Cidadã trata de um paradigma proveniente da Cultura. Nesta Cultura artificial constrói, faz agir e torna significativas instituições com os seus cargos e as suas funções aptas para celebrar contratos com quem os irá exercer por tempo determinado. Popper caracteriza (1987: 33) as instituições que

"não agem, ao invés, sós os indivíduos agem, dentro ou para, ou através das instituições. A lógica situacional geral destas ações será a teoria das quase-ações das instituições. Poderíamos constituir uma teoria das consequências institucionais, planejas ou não, de ação intencional. Isto também conduziria à teoria da criação e do desenvolvimento das instituições".

As instituições operam na interação por meio dos contratos celebrados na célula política do município como as fontes e as origens mais próxima da cidadania. No âmbito municipal o discurso humano possui mais elementos comuns entre o Poder Originário e as eventuais autoridades para materializar os termos de qualquer contrato. Esta interação necessita buscar a significação que na concepção de Durham (in Oliven, 1992 p. 21) para a sua eficácia:

"é necessário que um discurso ao interpretar sujeitos veicule uma mensagem verossímil, pois, para que uma ideologia se realize como tal, ‘capture’ os sujeitos, provoque adesão, é preciso que as significações produzidas pelo discurso encontrem eco no imaginário dos indivíduos aos quais se dirige, isto é, é preciso que se dê uma certa adequação entre as significações desse discurso e as representações dos sujeitos."

Neste discurso é possível um repertório comum e próximo que favorecem a busca de forças e bases competentes no paradigma - que ora se apresenta - para celebrar contratos postos em exames continuados e em tempo real. De certa forma pode-se falar numa ‘franquia’ no sentido que lhe imprime Hannah Arendt diante da política da Grécia Clássica quando ela escreveu (1983: 291) que "na República, o rei-filósofo, aplica as ideias como o artesão suas regras e medidas; ele «faz» a sua cidade como o escultor sua estátua; e para finalizar, as ideias na obra de Platão, tornam-se leis que apenas é necessário colocar em prática". Certamente é possível valer-se do termo contemporâneo ‘franquia’ e fazer conexões entre os conceitos atuais e as bem mais antigas como da Grécia Clássica e aplicações do que este termo é portador. No entanto não se aceita aqui franquia no sentido que lhe confere uma organização concorrencial. Esta concepção não cabe, segundo Marilene Chaui, pois ela defende (2001: 15-32) a concepção de que uma instituição possui outra teleologia imanente do que uma organização concorrencial comercial do mundo capitalismo adiantado. Desta teleologia imanente não é possível afastar o trabalho da ideologia seja que tendência que for. As suas forças e suas energias foram identificadas e descritas por Oliven quando afirmou (1992: 21) que:

"uma ideologia é bem sucedida na medida em que consegue dar a impressão de unificar os interesses de diferentes grupos. Na medida em que uma ideologia se mede pelo seu poder de produzir discursos que repercutem no imaginário social, isso significa que se uma determinada ideologia é eficaz ao trabalhar com noções aparentemente obsoletas, na verdade a anacronia está apenas na mente do pesquisador e não na dos agentes sociais. Permite dar a impressão de unidade de interesse de diverso grupos. Mede-se pela sua capacidade de produzir discursos que repercute, no imaginário social. Inclusive permite desqualificar como obsoletos discursos concorrentes."

Esta ideologia necessita dar-se conta que ela pressupõe a prestação de contas e a sua avaliada por uma teoria. Teoria que na concepção de Hannah Arendt (1983: 56 /7) signifique:.

"Theoria ou «contemplação» designa a experiência do eterno, diferente de outras que não podem dizer, em maior ou menor grau, respeito que a imortalidade. O que ajudou, talvez os filósofos a descobrir o eterno, é que eles duvidavam, por justa razão, das possibilidades da imortalidade e mesmo da duração da polis; talvez essa descoberta foi tão espantosa que não lhe restou outra chance do que desprezar como vã e fútil toda a procura de imortalidade, colocando-se assim, de vez, em flagrante oposição com a cidade antiga e com a religião que a inspirava. Contudo quando a preocupação com o eterno triunfou de todas as aspirações em direção da imortalidade, essa não foi o resultado da reflexão filosófica. A queda do Império Romano demonstrou com estrondo que nenhuma obra humana iria escapar à morte; na mesma época o cristianismo pregando a vida eterna tornava-se a única religião do Ocidente. Essa queda e essa pregação tornaram inúteis e fúteis todos os esforços da imortalidade terrestre".

Diante da teoria que orienta a sua ideologia a célula municipal está preparada para apresenta agilidade e viabilidade para examinar o acervo das diversas ideologias concorrentes e ativas no seu âmbito. De posse destas informações consolidadas, permite realizar projetos sob o quais são possíveis contratos com potencias franquias legais institucionalizáveis, implementa, controla o funcionamento e avalia em tempo real. Estes ágeis contratos, sob o olhar e a avaliação continuada de todos na sua execução, são significativos, pois materializam as aspirações da sociedade civil organizada do município. Estes contratos impulsionam e conferem sentido e proeminência para a ação dos partidos políticos. Não há novidade nestes contratos de exames contínuos e de amiudadas prestações de contas. A maioria dos povos civilizados possui a circulação de delegados dos poderes regionais com atenção constante sobre as vontades daqueles que eles representam e aqueles que são legitimados como seus porta-vozes. Os recursos numéricos digitais são instrumentos eficientes e suficientes para tal exercício. Estes recursos são armas na luta permanente humana contra o esquecimento que na concepção de Horkheimer e Adorno (in Marcuse (1981: 79) "toda a reificação é um esquecimento". Este exame permanente dos projetos, dos contratos, do controle e da avaliação em tempo real contraria também o hábito personalista no qual o presidente da República é uma reificação na medida em que esquece o Poder Originário e se julga detentor da única palavra verdadeira e última do Estado.

Nesta compreensão e ultrapassagem do hábito estabilizado do poder há necessidade de ultrapassar perspectiva clássica que coloca o cristal da entre o observador e o objeto de sua atenção. Na teoria e na prática da perspectiva desenvolvidas no Renascimento Italiano quando os matemáticos e artistas visuais desenvolvimento uma ótica precisa, universal e reversível da representação da Natureza. Etimologicamente é o "olhar através". Através de um cristal sobre o qual são calculados como num momento preciso são marcados, ponto a ponto, as intersecções das linhas retas entre o observador e o objeto colocado além deste vidro. A separação realizada, por este vidro [cristal, lente ou anteparo de projeção], colocado entre o sujeito e o objeto, distancia e neutraliza as interações entre observador e seu objeto de observação. Portanto o objeto não se mistura com o sujeito, o que constitui uma metáfora das ciências ditas objetivas. A teoria e práticas, deste distanciamento, foram quebradas na Arte pelo Cubismo, que reintroduziu o Tempo e pela Relatividade e demais Ciências que possuem por objeto a Natureza. Este novo paradigma das Ciências, incluindo a Matemática dos Cálculos Quânticos, influiu também nas pesquisas interativas das Ciências Sociais, incluindo as Ciências Politicas. Nestas últimas, o observador pode pertencer também ao conjunto, como do Poder Originário, por exemplo, sem ter, ou necessitar e ou reivindicar um lugar externo do seu objeto de observação e separado dele pelo frio cristal da perspectiva ótica linear e pontual.

Porém enquanto persistir o hábito da perspectiva clássica a única e última palavra presidencial interpreta a realidade nacional de forma pessoal e última. Esta interpretação penetra no espaço no qual Bourdieu coloca (1987: 126) a "relação ambivalente dos produtores com a autoridade escolar. Denúncia da rotina professoral contra a ambição profética até constituir o atestado de qualificação profética". Este paradigma pessoal da ‘relação ambivalente’ é construído e oferecido, ao primeiro mandatário da nação, pela sua corte de ‘apoiadores’. Como áulicos de um presidente detentor estável da única palavra verdadeira e última do Estado totalitário, estes "apoiadores" possuem evidentes interesses pessoais. Não só o governo é estável por quatro anos numa micro monarquia temporária e faz tudo para ser reeleito, arrastando consigo toda a sua corte de "apoiadores" por igual período. Neste período fechado a corrupção goza dos mesmos quatro anos para planejar e executar as suas ações veladas e fora do olhar do público. Por meio do poder originário do município enfraquece-se e se desestabiliza a corrupção endêmica e crônica dos assaltantes do poder de um presidente detentor estável da única palavra verdadeira e última do Estado totalitário.

Muitas nações indicaram e mantém uma família imperial como um represente vitalício. Esta família é proveniente da Natureza étnica do seu povo, cujo papel típico é o exercer o poder moderador e se quer como legitima represente deste povo. No caso do Brasil, esta solução, seria o retorno ao súdito imperial. De outra parte o meio social, sem pacto e contrato social, com larga e universal do presidencialismo, impede o caminho para o parlamentarismo. Sem este pacto nacional e sem uma tradição de um primeiro ministro, a fonte e a origem do poder seriam contornados. A corrupção da informação numérica digital poderia tornar-se um instrumento, um abismo e uma constante armadilha para desestabilizar o poder de um primeiro ministro sem vínculo com o poder originário.

Uma saudável e legítima célula municipal constitui um sólido contraponto de resistência e sobrevida para qualquer potencial desestabilização política de uma nação, como o Brasil, num eventual tsunami social continental. Neste contraponto os exames continuados dos projetos trazem atualizações consequentes dos contratos e dos pactos encontram agilidade e viabilidade para a célula macro nacional.

Neste ponto é impossível contornar a figura do projeto civilizatório compensador da célula macro nacional. O estudioso Marques dos Santos apontou um entre muitos na origem do Estado Soberano Brasileiro que ele descreveu (1997: 132) como:

"o partido estético adotado pela Academia (Imperial de Belas Artes), os vínculos com o classicismo e a experiência artística e cultural de seus integrantes estarão diretamente imbricados com o problema da construção da civilização no Brasil da primeira metade do século XIX, onde a institucionalização do Estado autônomo compreendia, na contrapartida da afirmação política, uma espécie de missão civilizatória.

Este projeto civilizatório compensador seguiu o caminho até a sua base no Poder Originário. A resposta desta base foi lenta, porém segura e continuada ao longo de todo o Regime Imperial. No âmbito governamental significou a passagem do emocional Barroco para o racional Neoclássico. A corte foi comandada por um imperador e não um rei que permitiu o amadurecimento de um Estado nacional único apesar das duras provas em contrário. Contudo neste centro de poder coercitivo e aversivo para o Poder Originário foram apontados caminhos tão, ou mais, importantes do que simples exercício da potencia imperial.

Nesta dialética entre o núcleo duro do poder do Estado Nacional unificado e o Poder Originário disperso as múltiplas parcelas refletem-se como num holograma ou fractal a macro célula nacional ordenada e completa. Neste holograma, ou fractal, circula o mesmo poder da célula macro nacional. Esta circulação contínua, em tempo real e sincronizado é potencialmente possível por meio das ferramentas da informatização digital numérica. Apesar de a célula municipal ser constituída por múltiplas partes, ela é coerente como um fractal e conecta-se perfeitamente com as mesmas divisões do poder da célula macro nacional. Os contratos, da vontade coletiva nacional e municipal, estão sujeitos à mesma estrutura administrativa tripla e pelos quais flui o poder a partir de sua fonte ou origem. Este fluxo pode estar em constante exame, expressar-se em linha, conhecida pelos meios e por meio de ferramentas numéricas digitais, acordadas por todos e cada um em particular. No entanto este fluxo é descontínuo, apesar de aparentar no mundo da linguagem, ser continuado e uniforme e correr pelos mesmos canais. Ele está sujeito aos seus ciclos, interrupções e descontinuidades, no mundo empírico. Esta descontinuidade impõe a manutenção de um permanente estado de vigilância para medidas preventivas em relação ao que a linguagem esconde. Sobre este fenômeno o intelectual Chartier avisa (1998: 61) que:

"a história intelectual não deve deixar-se prender no laço das palavras que podem dar a ilusão que os diversos campos dos discursos nos quais as práticas são constituídas de uma vez por todas, recortando os objetos dos contornos, como também dos conteúdos, são invariáveis: bem ao contrário ele deve colocar como centrais as descontinuidades que fazem com que se designem, arruínem e se dispersem, de maneiras diferentes ou contraditórios, segundo as épocas, saberes e atos.

O Poder Originário nunca dispôs, como na atualidade, de tão numerosas formas culturais e técnicas para estudar as causas destas crises e interrupções, para tomar, a seguir, os meios para fazê-lo circular sem solução de continuidade. Evidente que há necessidade de atenção e meios para ultrapassar os abismos e os desvios implícitos nesta potencial circulação pretendida. Abismos que se abrem na representação recíproca entre o campo de produção erudita frente ao campo das instâncias de conservação e consagração. Os contratos não necessitam confundir o Poder Originário e encobrir as instâncias de conservação e consagração e misturar o assaltante com o cargo e buscar perpetuar-se no poder. A autoridade consagrada e ungida com poder concedido a alguém ao longo de quatro anos, constituem uma eternidade sem um exame continuado. Não há razão para cultivar, ao longo de quatro anos continuados, o hábito personalista pelo qual o presidente da República é detentor da única palavra verdadeira e última do Estado. Os atenienses concediam um ano para o exercício do poder. Eles acreditavam que qualquer um dos seus cidadãos, educados nas suas leis e seguindo as práticas diárias da cidade, poderia ser guindado para qualquer um dos cargos criados por eles e, o escolhido, saberia e cumpriria as funções destes cargos. Os seus teóricos tinha esta convicção a partir da íntima conexão entre "empeiria" e "techné" que o filósofo e educar Aristóteles remetia (1972, p. 212 Metafísica - I cap. I (7) )..para a consideração dos seus leitores, pois:

"nós julgamos que há mais saber e conhecimento na arte do que na experiência, e consideramos os homens de arte mais sábios que os empíricos, visto a sabedoria acompanhar em todos, de preferência, o saber. Isto porque uns conhecem a causa, e outros não. Com efeito os empíricos sabem o ‘que’, mas não ‘porque’: a passo que os outros sabem o ‘porquê’ e as causas que os artistas conhecem. Por isso há mais saber na arte (techné) do que na experiência (empeiria). "

Nas suas atuais concepções, como aquelas que Leonardo da Vinci afirmou que "tudo o que é contínuo pode ser dividido em infinitas partes", os meios e ferramentas numéricas digitais vieram em boa hora. Vieram inclusive para reconectar a obra física de empirismo com o mundo mental.

A palavra do Estado Nacional, única, verdadeira e última poderia ser neutralizada por diversas estratégias. Numa delas o cargo e a função poderia ser cogitado, ao modelo de um PODER MODERADOR rotativo, e proposto em curtos períodos. Uma pessoa investida desta neutralidade ocuparia em cada município ao longo deste curto período. Esta pessoa, além de proceder diretamente de alguma instituição política na base do poder originário externa ao Estado, teria a função de compensar o peso e a rigidez dos quatro anos consecutivos e monolíticos do chefe do executivo nacional, estadual e municipal. O cargo desta pessoa teria a função de exercer a sua neutralidade ao perpassar ao longo do período de seu curto mandato toda a escala administrativa de um Estado a partir da célula municipal. Tal cargo e função seriam desprendidos de qualquer cargo público, tanto ao legislativo, do executivo e do judiciário. A função de tal cargo seria de interpretar e conectar a administração do poder municipal com aquilo proveniente diretamente do repertório e das necessidades da célula municipal. Esta pessoa exerceria o poder moderador como legitima represente desta célula municipal ao longo deste mês. Esta pessoa, testada entre os concorrentes originários das demais representações municipais, agiria para combater qualquer tendência a personificação dos cargos federais, estaduais e municipais eleitos para o período de quatro anos. Assim a maior novidade consistiria em que pessoa significativa seria legitimada a percorrer "toda" a escala da hierarquia nacional, ao longo de um único mês. A célula municipal escolheria, na primeira semana cheia do mês, uma pessoa significativa que provenha desta comunidade para ser legitimada a ocupar este cargo até o próximo mês. Na segunda semana esta mesma pessoa - representativa e moderadora - viveria e interagiria com o estado regional onde se encontra o seu município. Neste encontro estadual alguém receberia a função de interagir nacionalmente no âmbito dos demais estados federados. Este função estadual chegaria ao espaço federal na terceira semana quando interagiria com os representantes políticos dos demais estados federados. Estes representantes políticos dos estados federados destacam um entre eles que fará o discurso da nação. Na quarta semana do mês ela retornará para sua base estadual onde realizará o seu relatório que será remetido aos demais municípios. Novamente na sua comunidade de origem, ele prepara para recomeçar o ciclo mensal que escolhe e legitima a um outro representante do poder originário no município. Esta escolha e legitimação não são personagens cujas biografias editadas, manipuladas pelo marketing e propaganda. Trata-se de motivar para esta escolha os agentes e líderes de instituições ativas e bases de qualquer civilização. Evidente que estas instituições existem porem deprimidas, sem visibilidade, sem voz e vez. O estudioso Mota percebeu e registrou (1980: 179) em relação a "Faoro procura indicar que a principal consequência cultural do prolongado domínio do patronato do estamento burocrático é a frustração do aparecimento da genuína cultura brasileira". Na sua analise desta obra Chaves Melo, encontra (1974, p. 25) razões para que Raimundo Faoro não entre na discussão entre cultura e civilização. "Um dos méritos do estudo (de reside no fato de que, não entrando nos velhos debates sobre distinções entre ‘cultura’ e ‘civilização’ "

No caso das deprimidas instituições das células municipais ganhariam visibilidade, voz e vez nas suas figuras proeminentes, seus líderes e agentes. As células municipais lucrariam com folego autêntico e energias provenientes do seu Poder Originário e o colocariam no lugar de liderança e de prestigio proveniente destas energias.

 

 

 

 

1.04 - O SER HUMANO NÃO NASCE SOCIAL.

 

Antes de qualquer naturalização ou mitificação do termo ‘social’ é necessário escutar Torres Nafarrate apropriada pelo biólogo Maturana (1996: XXIII) quando distinguem o social do humano:

"o social nunca foi (e talvez nunca será) o espaço da realização absoluta das possibilidades mais humanas do homem. A sociedade manifesta consistência própria (ainda que dinâmica e evolutiva), uma regulação auto-referente que dá pé a que cada indivíduo a experimente em graus de profundidade (ou de decepção) e em direções diferentes. Contudo esses graus de vivência subjetiva não pertencem propriamente o âmbito do social: estão colocados no outro lado da forma do social, no entorno. A descoberta moderna da incomensurabilidade da interioridade humana, a partir de Freud, avisa que não é possível construir uma sociedade que possa corresponder a tais possibilidades de variação"

O conhecimento deste limite constitui um desafio permanente a quem quiser pensar, agir e fazer mudanças consistentes neste meio e potencia humana. Sigmund Freud, apontado acima, advertiu no seu "mal estar das civilizações" dos seus múltiplos aspectos e manifestações que distinguem o humano e o social. Já o filosofo francês Jean Jaques Rousseau passou por cima desta distinção e defendeu o contrário nas suas obras e que a criatura possui uma tendência e sentimento natural de altruísmo nas civilizações. O chileno Maturana também percebe muitos pontos de altruísmo entre as espécies vivas reforçando o filósofo francês com o seu bom selvagem. O ENTE humano necessita construir um SER social a partir deste potencial fundo natural e da sua própria ação.

Pelo seu lado natural o ser humano não nasce social. Esta construção encontra lugar especial na memória humana coletiva e na sua capacidade de refletir "sobre ela". Esta capacidade de refletir sobre sí mesmo é para o filósofo Aristóteles crucial (1973: 211.Metafísica. L.I cap.I) pois:

"é da memória que deriva aos homens a experiência: pois as recordações repetidas da mesma coisa produzem o efeito de uma experiência e a experiência quase se parece com a ciência e a arte. Na realidade, porém, a ciência e a arte vêm aos homens por intermédio da experiência".

O pesquisador e pedagogo Jean Piaget percebe (1983: 231) esta reflexão como algo circulara e potencializador a partir de:

"Erikson sustentou.. uma tese muito interessante: o presente afetivo é bem determinado, como demonstrou Freud, pelo passado do indivíduo, mas o passado é ele mesmo incessantemente reestruturado pelo presente"

No mundo da cultura humana Marcuse resumiu (1981: 79) "a autêntica utopia baseia-se na memória". Contudo esta mesma memória humana corre o perigo de ser petrificado pela palavra e pelos signos falsos, o que constitui a sua morte certa. O que a salva é a sua ação e sua renovação continuada. É o que Arendt escreveu (1983, p.313) ao afirmar que:

"a vida humana precipitando-se em direção à morte levaria inevitavelmente para a ruína, para a destruição, tudo o que é humano, se não fosse permitido interromper essa corrida e de começar tudo de novo, permissão que é inerente à ação, como para lembrar constantemente que os homens, ainda que devam morrer, não nasceram para morrer, mas para a renovação".

O longo e o enorme e continuado esforço da ação humana na busca da sua adequação à sociedade, a sua e a potencialização intencional e as necessárias e constantes renovações foram comprovadas cientificamente por Jean Piaget. Este ENTE humano realiza esta socialização visível na escola formal na continuação da daquilo que está difuso no meio social. O ENTE humano evolui - neste meio social e na instituição escolar - em direção à sua maturação do SER social, intelectual e cultural. Rubens Alves propõe (1984: 14) que o seu agente e o seu docente seja um educador em quem "habita em que a interioridade, visões, paixões, esperanças e horizontes utópicos fazem a diferença. Muitas vezes o educador é um mau funcionário". Esta tensão passa entre o professor funcionário e o educador como pessoa. A instituição escolar foi projetada, moldada e funciona na cultura da era industrial para a lógica unívoca da linha de montagem típica. Em instituição escolar com esta característica, o professor é funcionário e muito distante e em conflito com o educador como pessoa. Na cultura ao modelo da linha de montagem - com prévio planejamento e gerido em sucessivas e rigorosas séries cumulativas - o ENTE humano evolui nesta mesma direção. O mesmo Rubem Alves é mais explicito (1984: 14-15) quando amplia o seu pensamento:

"O educador, pelo menos o ideal que minha imaginação constrói, habita em um mundo em que a interioridade faz uma diferença, em que as pessoas se definem por suas visões, paixões, esperanças e horizontes utópicos. O professor, ao contrário, é funcionário de um mundo dominado pelo Estado e pelas empresas. É uma entidade gerenciada, administrada segundo a sua excelência funcional, excelência esta que é sempre julgada a partir de interesses do sistema. Frequentemente o educador é mau funcionário, porque o ritmo do mundo do educador não segue o ritmo do mundo da instituição".

Este mundo da instituição responde normalmente pela palavra escola. Aristóteles a percebe (1973: 212) como o "lugar e forma institucionalizado do lazer estudioso". : lugar do ócio) é o lugar ideal para a prática da suspensão dos juízos (epokhé). O francês Pierre Bourdieu livra a escola de uma série de parasitas e de sedimentos culturais que se acumularam em cima dela quando a livrou (1996b: 206) do fato de "não visar nem ao prazer nem a necessidade". Já Hannah Arendt afirma (1983: 182) que "a escola não é um lugar de consumação, mas de abstenção da atividade do trabalho e consumo. A frugalidade é sua característica". O mundo do educador no conjunto dos agentes da instituição escolar buscam neste mundo da instituição superar as suas contradições e transforma-las em complementariedades. O julgamento e a fortuna dos seus contratos afeta diretamente a cultura difusa do meio social do poder originário da nação. No entanto esta balança dos julgamentos ainda possui por fiel a linha de montagem, todos os esforços que visam construir um SER social numa arquitetura intencional que tende ao erro zero. Esta modalidade de socialização do ENTE humano busca lograr a eficácia controlável e reversível à sociedade de sua origem unívoca da linha de montagem. Assim a instituição escolar e a cultura difusa caem num processo de endogenia da era industrial.

Esta endogenia era perceptível na Universidade de São Paulo duas décadas após a sua fundação quando Souza Campos registrou, em 1954, que:

"a Universidade cresceu, a partir de década de 50, em um sentido que acabou sendo paralelo ao crescimento das grandes instituições empresariais e burocráticas. A divisão de trabalho, a competição em todas as juntas da hierarquia, e um difuso racionalismo técnico, que é a boa consciência do profissional, a afastou, em geral, de uma empatia mais profunda com a condição oprimida"

Processo cercado de imensas e insuspeitas dificuldades para romper com lógica da linha de montagem da cultura que lhe é imanente e difusa no meio social. Processo industrial da linha de montagem unívoca, em ciclos implacáveis e que arrastam a sociedade e a fecha na cultura da sua própria lógica. Visto pelo lado do estruturalismo o contínuo de um processo indústria é distinto das suas partes. Durkheim afirma (1983: 129) que "um todo não é idêntico à soma das partes que o constituem. É algo diferente cujas propriedades diferem do que revelam as partes de que é composto." Nisto Piaget acompanha (1983: 38) permitindo preciosas distinções no processo evolutivo humano bem distinto das etapas escolares formais e decorrentes do processo industrial da linha de montagem unívoca. Há necessidade de entender que esta busca é um objeto da Ciência. Para Bruyne (1977: 51) " o objeto de ciência é um sistema de relações construídas expressa e explicitamente, ele se opõe ao objeto pré-construído pela percepção, com o qual lhe é necessário romper continuadamente". Este formalismo torna presente numa alodoxia reforçada por um "fake-lore" e se materializa numa pseudo liberdade sob o comando da onipresente e subliminar indústria cultural. Os teóricos da Escola de Frankfurt, Adorno e Horkheimer escreveram (in Musse, 1997. Cad.5 p.6) que

"a liberdade de escolha da ideologia que reflete sempre a coerção econômica, revela-se em todos os setores como a liberdade de escolher o que é sempre a mesma coisa. A entonação no telefone e nas mais familiar situação, a escolha das palavras na conversas e até mesmo a vida interior organizada segundo os conceitos classificatórios da psicologia profunda vulgarizada, tudo isso atesta a tentativa de fazer de si mesmo um aparelho eficiente e que corresponda, mesmo nos mais profundos impulsos instintivos, ao modelo apresentado pela indústria cultural"

Desta lógica da indústria cultural não escapam as instituições de ensino superior, que no Brasil se autonomearam de universidades. Estes cursos superiores que se autodenomina de universidade, aproveitaram o vácuo da recriação, em 1816, da antiga Sorbonne rediviva na França sob os ventos da indústria cultural pós Revolução e Napoleão. As competências e os limites da autonomia destas universidades provisórias estão presos às rodas administrativas da indústria cultural e de ideológicas que denunciam e criticam este formalismo legalista industrial. O Estado contemporâneo permanece como observador desta estranha autonomia universitária onde ele entra apenas para pagar a conta. A alodoxia e o "fake-lore" universitários sob o comando subliminar da indústria cultura nas sucessivas administrações e de regimes, estão identificadas em Fávero (1980: 270) que escreveu:

"a Universidade é uma instituição que se apresenta, em geral, como um instrumento do sistema global, podendo em alguns momentos, viver em estado de tensão entre a necessidade de autonomia e o controle do Estado. A autonomia universitária, evidentemente, varia em função do regime político e do estágio de desenvolvimento da sociedade na qual a universidade está inserida"

Paira uma dúvida permanente sobre até que ponto um determinado governo brasileiro inclui nos seus quadros administrativos as suas próprias Universidades Federias ou Estaduais. Esta tensão de pertencimento oscila, de fato, entre alguns momentos de inscrição plena para outros de completo alijamento do corpo administrado do Estado. Esta dúvida ganha relevância e urgência na medida em que ocorre a mais alta velocidade de mudanças radicais quando este governo necessita fazer a passagem da mentalidade e dos comportamentos da era linha de montagem para era pós-industrial. Nesta velocidade e urgência de toda ordem, não é possível esquecer a síntese de Max WEBER em relação à Universidade ao afirmar (1989: 70) que

"o único elemento, entre todos os "autênticos" pontos de vista essenciais que elas (as universidades) podem, legitimamente, oferecer aos seus estudantes, para ajudá-los em seu caminho pela vida afora, é o hábito de assumir o dever da integridade intelectual; isso acarreta necessariamente uma inexorável lucidez a respeito de si mesma".

Nesta inexorável lucidez a respeito de si mesma a instituição escolar necessita reconhecer que o governo é um dos maiores e mais privilegiados destinos da produção proveniente da especialmente destina à sua sustentação burocrática governamental nos momentos de crises e de mudanças. Relações que inculcam o campo de produção erudita ao sistema das instituições que possuem a atribuição governamental específica de cumprir uma função de consagração. Esta mudança e diferença são particularmente visíveis na instituição escolar que ainda se move na mentalidade agrícola comparada com a industrial e pós industrial. A escola como instituição contemporânea visível, fez a sua estreia na passagem da era agrícola para a industrial. Durand escreveu (1989: 59) que a escola, na linha industrial, foi:

"a nova solução encontrada depois da destruição do artesanato e aprendizagem em guildas e atelieres na prática dos ofícios . Antoine Prost observa que a organização de escolas para a formação de artesãos e operários correspondeu a uma fase em que, com a destruição do artesanato pela indústria capitalista, e com a correlata desorganização das categorias de artesãos através da aprendizagem nos ateliers dos mestres credenciados, abriu-se a necessidade de nova solução institucional":

Porém o mais grave foi que "o vínculo entre Indústria e Escola não aparecia aos olhos ingênuos do liberalismo como aquilo que é: uma forma de reprodução planejada do sistema social" na observação reveladora de Bosi ( in Mota, 1980 : III Durand, 1989: 59 nota 9)

Os agentes tornam-se históricos apenas na busca de um equilíbrio na medida em que conseguem propor um projeto para romper com esta ingenuidade e a endogenia subliminar e que arrasta, por tempo indeterminado, estes projetos de bases mecanicistas e behavioristas. Projeto que rompa e se contraponha frontalmente a estes condicionamento mecanicista e behaviorista e que propicie ocasião para a observação de Maturana e Varela (1996 p.209):

"dar-se conta que o amor, ou se não queremos usar uma palavra tão forte, a aceitação do outro junto a si na convivência, é o fundamento biológico do fenômeno social: sem amor, sem aceitação do outro junto a si, não há socialização, e sem socialização não há humanidade"

Necessita-se de um projeto que tenha a virtude da busca do êxito em fazer funcionar uma arquitetura na qual este ENTE humano materializa o processo da socialização intencional do seu SER ao longo de tempo. No entanto esta arquitetura social não possui o menor êxito no sentido de o SER revelar o seu ENTE. Esta revelação não ocorrerá ao olhar de todos, mesmo que ele seja exposto no espaço publico com os seus atributos e como herói ou imortal Isto Hannah Arendt registrou (1983: 244) como:

"quem é, ou quem foi alguém, não o sabemos a não ser conhecendo a história da qual ele é o herói- dito de outra forma - a sua biografia; todo o resto do que sabemos dele, incluindo aí a sua obra que deixou, nos diz somente o que ele é ou o que ele era".

Este processo crítico encontra-se em cheque continuado quando o ENTE humano coloca e instala o seu projeto de SER estudante. Diante da gravidade desta escolha este modo de SER estudante impõe-se como centro e culminância do processo educativo e a razão de existência da instituição escolar. Parte-se do pressuposto de que esta instituição, possua, honra e aplique o seu projeto pedagógico. Especialmente no ponto do seu projeto no qual se ela aspira a alguma coerência um elemento fundamental do Poder Originário. É o que afirmava Olinto de Oliveira o primeiro médico pediatra com tese defendida. Ele escreveu (1912: 40) o "aproveitamento dos alunos em uma escola de belas artes, mais do que nas de outros ramos, depende do talento e da aptidão de cada um". Souza Campos registrou (1940 pp.287/8 e 1954, p. 85) a frase pronunciada pelo Dr. Olinto em 1928 "o estudante está acima de todas as organizações escolares".

As causas presentes no processo desencadeado no sistema de ensino constituem elementos fundamentais para o Poder Originário atingir esta socialização e qualificação do seu estudante. Aceita-se Bourdieu (1987: 117) que o sistema de ensino "é uma instância qualificada para assegurar a reprodução do sistema de esquemas de ação, de expressão, de concepção, de imaginação, de percepção e de apreciação objetivamente disponíveis em uma determinada formação social". A criação humana da escola formal constitui um suporte para a eficácia deste sistema. Ela atingirá esta eficácia esperada, não só pelo controle, como pela liberdade, autonomia e dignidade que ela exigir do seu estudante. Implicam num esforço continuado de reflexão sobre si mesmo e as suas circunstâncias do aqui e agora. Bruyne é incisivo (1977: 77) "a reflexão fenomenológica exige um esforço constante para uma ‘compreensão’ cada vez mais elaborada do real, compreensão sempre um vir-a-ser". Enquanto isto Gleizal afirma (1994: 47) "a arte torna-se um processo sobre o qual é necessário refletir. Ela aparece indissociável de uma epistemologia da criação". Estes estudantes, agentes e comunidade escolar entregues a esta reflexão criativa são objetos reais que na concepção de Bruyne (1977: 51) constitui "causa presumida dos nossos sentidos. Os objetos percebidos são os efeitos supostos dos objetos reais latentes.". A concepção da liberdade possui um estágio intermediário que passa pela reflexão que desemboca na compreensão do que o mesmo Bruyne denomina (1977: 51) de:

"objeto percebido é aquele que se dá aos sentidos, sob a forma de imagens. Piaget denunciou o mito da origem sensorial de nossos conhecimentos, mito que postula que o sujeito cognescente é de algum modo um receptor passivo de informações vindas de fora; portanto, o próprio objeto percebido numa certa medida, construído por esquemas assimiladores e acomodares do espírito."

No caso da escola formal a compreensão pelo senso comum não ultrapassa os limites de um objeto percebido. Objeto percebido na sua disciplina, currículo e rituais coletivos. Porém, entre os objetos percebidos imediatamente, não se encontra a dignidade, a autonomia e nem a liberdade. Como também a sua negação e contrário não são objetos percebidos imediatos A liberdade se revelará gradativamente na sua relação ao Poder Originário. No presente texto o termo ‘liberdade’ que constitui um ente primitivo e não um objeto percebido imediato. Na mediação explicita-se o termo ‘liberdade’ em direção a sua etimologia latina, na qual a palavra deriva de ‘liber’ e que designava ‘o indivíduo apto para se reproduzir’ (Ferrater-Mora verbete liberdade 1994) etimologicamente liber é cidadão romano apto para se reproduzir. Para Espinosa "é a força da alma e virtude dos particulares". (1983: 55). Para Lauro de Oliveira Lima (S/d.: 164) "O que caracteriza a liberdade não é o constrangimento, mas deliberação". Para Hannah Arendt (1983: 170) "O homem não pode ser livre se não sabe que está sujeito à necessidade" . Porém o discurso mais apaixonado é do autor da "Ode à Paz" da 9ª Sinfonia de Beethoven. Schiller escreveu (1963: 35, 91 e 96) que:

"a Arte é filha da liberdade e quer ser legislada pela necessidade do espírito, não pela carência da matéria [...] A liberdade, em que muitos colocam a essência da beleza não é ausência de leis, mas sua harmonia, não é arbítrio, mas máxima necessidade interior [...] O impulso sensível desperta pela experiência da vida (pelo começar do indivíduo) e o racional pela experiência da lei (pelo começar da personalidade), e somente agora, após terem se tornado existentes os dois, estará erigida a sua humanidade. Até que isto viesse a ser realidade tudo nele se fez segundo a lei da necessidade; agora abandonado pela mão da natureza, e passa a ser empresa sua afirmar a humanidade que ela estrutura e revela nele. Pois tão logo os dois impulsos fundamentais e opostos ajam nele, perdem ambos sua coação e contraposição de duas necessidades origina a liberdade "

O controle entre causa e o efeito não pode abdicar da liberdade na criatividade. A competência humana da criatividade é colocada aqui na concepção que Hannah Arendt lhe confere (1983: 188) ao afirmar que

"é somente porque nós fabricamos a objetividade, o nosso mundo, com aquilo que a natureza oferece porque nós construímos, inserindo-o no espaço da natureza e assim nos sentirmos protegidos, que podemos olhar a natureza como alguma coisa objetiva".

Esta concepção ganha os seus limites com os biólogos Maturana e Varela que lhe atribuíram (1996: 173) na forma na qual "o organismo restringe a criatividade das unidades porque elas existem para ele. No sistema social humano amplia a criatividade humana, pois esse existe para estes". Esta construção criativa e única supõe, também no campo político, a informação fidedigna, um projeto coerente com estas informações e o exame permanente dos seus fundamentos e com novos desdobramentos. Este exame espelha-se permanentemente na origem de seu projeto e retorna para as razões e as etapas da sua construção. Nesta construção os biólogos Maturana e Varela distinguem (1996: 60/1) o ESPAÇO PSÍQUICO é diferente O ESPAÇO RELACIONAL que não é suficiente para explicar o psíquico, pois:

"todo o ser vivo existe num espaço psíquico. Essa é uma afirmação ousada- Por que não dizer simplesmente: cada ser vivo existe num espaço relacional? Utilizo a expressão espaço psíquico porque quero sublinhar três coisas, a saber: as dimensões invisíveis do espaço relacional e também a extensão em todos os aspectos da maneira de viver do organismo; que os seres humanos diferem de outros seres vivos só nas muitas dimensões de seu espaço relacional o qual está completamente centrado em conversações; e que nada daquilo que chamamos psique humana esta de fato fora do ordinário. Se eu fosse fazer a afirmação contrária, dizendo que cada ser vivo existe em um espaço relacional, sem dúvida me perguntariam sobre o caráter evasivo da psique humana como se esta pertencesse a um domínio formal diferente, e para responder a essa pergunta iria referir-me ao que eu disse anteriormente"

O problema da diferença entre o ESPAÇO PSÍQUICO é o ESPAÇO RELACIONAL é perceptível na incoerência do projeto enunciado pela mentalidade e a competência da autoridade no espaço administrativo. É espantoso o abismo entre aquilo que autoridade sonha, enuncia e faz que ela diz acreditar no ESPAÇO PSÍQUICO no contraste com aquilo que ela pratica no ESPAÇO RELACIONAL. Este abismo é perceptível no seu fazer e a forma do seu fazer. Forma que se resume em marcar o seu espaço. Incoerência flagrante entre o cargo que ocupa e as funções que efetivamente exerce. Uma utopia competente e um sonho que uma autoridade pode acalentar possui uma sólida base na memória relacional. A característica desta memória relacional é descrita por Marcuse ao afirmar (1981: 79) que:

"a utopia na grande arte nunca é a simples negação do princípio de realidade, mas a sua preservação transcendente (Aufhebung) em que o passado e o presente projetam a sua sombra na realização. A autêntica utopia baseia-se na memória".

Esta memória se encarrega das conexões entre o ESPAÇO PSÍQUICO o ESPAÇO RELACIONAL e gera atos coerentes entre o projeto enunciado pela mentalidade e a competência da autoridade no espaço administrativo relacional. De outra parte uma utopia se sustenta no presente na medida em que tiver um pé solidamente apoiado no passado e com outro pé buscando autentica solidez no futuro.

 

 

 

 

 

1.05 - COMPETÊNCIAS da AUTORIDADE no BRASIL

 

"O culpado é o governo"

Dito popular.

 

No Brasil o problema inicia na incoerência do projeto enunciado e a competência da autoridade. A competência da autoridade, enunciada é algo absolutamente diferente daquilo que se pratica. Diferença tão flagrante como aquelas renovação radical determinada pelas revoluções da axiomática intelectual onde impera a lei ideal despojada do mundo empírico. Mundo empírico que difere completamente daquilo que se julga e do foi apresentado como ideal ao final do texto anterior em relação a instituição escolar e a cultura difusa. Este desvio deriva daquilo que é percebido no interior da cultura difusa cuja matriz ainda recende do colonialismo lusitano. Este desvio afeta a prática da autoridade e a representação do seu ideal. Prática dominada pela realidade do primitivismo vigente e determinante da heteronímia da vontade individual e coletiva. Este primitivismo afeta quem enuncia, mantém e renova a autoridade apenas pela tradição naturalizada na época do Brasil Colônia, sem que perceba esta origem e sem questionar a sua coerência com a atualidade e muito menos a sua legitimidade. Aquele que pratica a relação com a autoridade adota como expediente um primitivismo naturalizado sem que ele esteja esclarecido sobre o seu projeto, a natureza e os limites do contrato com o poder estatal. Para quem percebe esta representação forma- uma imagem reducionista. Representação fixa e única tanto no projeto como na prática da autoridade. Esta percepção reducionista é enunciada em relações imaginadas entre agentes do poder e a sua circulação. A prática desta autoridade depende de esferas imponderáveis e de intervenções não previstas no projeto enunciado. Neste caso o enunciado não é coerente com prática do poder. Incoerência entre projeto e prática abre rombos nos quais se instalam corruptores e corruptos. Estes distorcem ainda mais o enunciado e a prática da autoridade, se não conseguem falsificar definitivamente esta relação. Esta falsificação - do que é enunciado e do que é implementado - salta aos olhos devido aos obstáculos ou impossibilidade de uma avaliação correta das relações entre o projeto e a sua prática. Os corruptores e os corruptos pescam nessas águas turvas. Os corruptores, os corruptos jogam, assim, os agentes do poder no mais absoluto descrédito. Enunciam como inepta ou maldosa a autoridade imaginada e enunciada, por eles, nos seus próprios termos. Os corruptores e os corruptos se limitam a esperar que as suas meias verdades provoquem reações para lançar novos enunciados eivados de distorções ainda mais numerosas e maiores. De posse destes as distorcem e para nutrir com a passividade daqueles que são as vítimas do engodo. Reata-se o ciclo infernal de descrédito de toda a política pública e a autoridade brasileira continua mergulhada no caldo residual da cultura colonialista lusitana.

Este ciclo infernal - de descrédito da verdade e da autoridade - arrasta para a destruição qualquer possibilidade de uma vida pública. Destruição que atinge, em cheio, a vida de qualquer instituição fornecedora de suporte para a vida de uma civilização humana.

No contraponto desta potencial neutralização e destruição autoridade os seus agentes podem praticar o último aforismo do Tratado Filosófico de Wittgenstein de que "o que não pode ser dito deve ser calado". Este aforismo é reforçado pelo mestre de Alexandre Magno ao descrever esta cilada e aconselhava: "não se deve argumentar com todo mundo, nem praticar argumentação com o homem da rua, pois há gente com quem toda discussão tem por força que degenerar". (Aristóteles –Tópicos – [Penúltimo aforismo]). Aristóteles fez esta observação após apresentar todo o seu arsenal lógico e capaz de sustentar uma argumentação no interior de uma Retórica civilizada. Não se trata de julgar, discriminar ou desqualificar o "homem de rua". Trata-se de perceber que ele facilmente pode ser vitima da sua própria disposição ávida e ansiosa em relação à cultura. Pierre Bourdieu caracterizou (1987, p.144) esta ânsia e avidez como "boa vontade pura, mas vazia e destituída de referências ou de princípios indispensáveis à sua aplicação oportuna, conduzem os pequenos burgueses a todas as formas de falso reconhecimento que definem a alodoxia cultural". Evidente que os corruptores percebem esta ávida e ansiosa disposição do homem de rua em relação à cultura. Investem nesta falta de referências colocando neste vazio as suas próprias meias verdades que interessam aos corruptos como algo para preencher o seu vazio conceitual.

Agentes temerários da autoridade podem adotar, no contraditório, o contraveneno para as meias-verdades e praticar a exposição pública de TODAS as informações disponíveis e fazê-las circular. O verbo desempenha o seu papel primordial. Toda autentica autoridade sabe e pratica pelo verbo o sentido no qual o agente se identifica como ator, anunciando o que ele fez, o que ele faz, o que ele quer fazer. Este verbo, ou palavra, para Hannah Arendt percebe (1983: 235) que:

"a ação silenciosa não será ação maior porque não haverá mais ator, e o ator, o fazer de atos, não é possível se ao mesmo tempo ele é falante de palavras. A ação que ele começa é revelado humanamente pelo verbo, e ainda que se consiga perceber seu ato na aparência física bruta sem o acompanhamento verbal, o ato não toma sentido que pela palavra na qual o agente identificasse como ator, anunciando o que ele faz, o que ele faz, o que ele quer fazer".

Evidente que a prática do verbo necessita constar no início do seu projeto e com objetivo claro e avaliável ao longo de sua prática. Ao longo desta prática, além de constituir um expediente corajoso, com evidentes riscos, estes agentes temerários encontram um apoio inédito na era numérica digital. Estes oferecem instrumentos poderosos para desmontar os interesses fundados sobre meias verdades. O objetivo claro e avaliável ao longo da prática por meio dos instrumentos numéricos digitais é desmascarar as meias verdades semeadas pelos corruptores e os corruptos.

Reagir e frontalmente contra corruptores e os corruptos, na mesma medida e intensidade gera tensões e resultado imprevistos e frequentemente lastimáveis. O pensamento sábio e prudente recorreu em todos os tempos e lugares a aquilo que a cultura grega denominava de "épokhé". Para Bruyne (1977: 75c) nesta:

"parada reflexiva" antes da ação "trabalha-se com elementos essenciais dos quais se supõe uma suspensão de juízo, não se procura o núcleo de sua definição mas os fenômenos que pertencem ao objeto da nossa atenção distinguindo-os do fundo".

Pensadores, como Arendt, (1983: 215), Ricœur (1999: 5), Greenberg (1996: 244) e tantos outros reconhecem esta mesma estratégia em outras palavras. Antes deles o poeta Schiller já havia escrito (1963 pp. 97/8) que:

"o homem não pode passar de modo imediato da sensação ao pensamento; ele precisa retroceder um passo, pois somente quando uma determinação é negada surge lugar para outra que lhe seja oposta. É preciso portanto, para substituir a receptividade pela espontaneidade, a determinação passiva pela ativa, que o homem, por momento, esteja livre de qualquer determinação, atravessando um estado de pura determinabilidade".

Em geral ao longo desta suspensão de juízo (epokhé), nesta ‘parada reflexiva’ as meias verdades e os ecletismos forçados, não se sustentam com os seus recursos falso e saltam aos olhos de todos e expões o seu completo embuste diante de qualquer tipo de crítica. O escritor italiano Umberto Eco faz o seu registro (in Calligaris, 1995 p. 09) que "nenhum sincretismo é capaz de suportar a crítica. O espírito crítico faz distinções, e ser capaz de fazê-lo é signo de modernidade. Na cultura moderna, a comunidade científica elogia o desacordo como maneira de aprimorar o conhecimento [...] O espírito crítico é capaz de fazer distinções. O sincretismo não a suporta". Mesmo que por Habermas aponte (1982: 118) que:

"a crítica de arte desenvolvida no romantismo existiram tendências conflitantes que polarizam de modo mais intenso com o surgimento das correntes de vanguarda: a crítica da arte ora reivindica o papel de complemento produtivos da obra de arte, ora o papel de advogados da exigência interpretativa do público em geral"

Esta distinção é facilmente estendível à politica e às práticas administrativas contemporâneas. O suporte e as condições de receber, iniciar e elaborar críticas são preocupações constantes na Educação e na Psicologia. A maturidade da crítica é revelada nas condições e competências que uma vontade e uma inteligência humana é capaz de receber, iniciar e elaborar rupturas epistêmica e estética. Vontade que Alois Riegel (1858-1905) percebeu nas forças que movem a Arte e que ele denominou de "Kunstwollenn" [vontade na Arte] no qual parte de um postulado, cuja validade necessita ainda ser provada, segundo o qual existiria alguma coisa, uma força, uma energia vital, que explicaria o desenvolvimento observado ao longo da vida de um artista ou na produção artística de uma escola, de uma região ou de uma nação, mesmo de uma civilização.

O que não dá para negar é que houve construções coletivas contemporâneas e que dão margem a esta especulação. Uma delas aconteceu com uma visibilidade particularmente nas forças do campo das artes. Trata-se do fenômeno que Hannah Arendt descreveu em relação á concepção da transcendência e a obra do gênio. Segundo ela (1983: 272):

"o que conta em nosso contexto, é que a obra de gênio, por oposição ao produto artesanal, parece haver absorvido os elementos da individualidade e da unicidade que não encontram sua expressão imediata que na ação e na palavra. A obsessão da assinatura do artista, a sensibilidade ao estilo, algo sem precedente, indicando que na época moderna que o artistas se preocupa acima de tudo dos traços pelos quais o artista transcende seu talento, seu oficio, de uma forma análoga pelas quais a unicidade de cada pessoa transcende a soma de suas qualidades. Por essa transcendência, que efetivamente distingue a grande obra de arte de toda a outra produção da mão humana, o fenômeno do gênio criador apareceu como justificativa suprema do homo faber convencido que as obras podem ser essencialmente superiores ao seu autor".

Esta concepção da transcendência e a obra do gênio já possui uma expressão temporã em Leon Batista Alberti(1404-1472) ao afirmar que o " o artista aspira fama". Fama que o norte Americano Andy Wahrol (1928-1987) estendeu a todos aos afirmar que "no futuro todos seremos famosos durante 15 minutos". A concepção da transcendência, e a obra do gênio, ultrapassaram as fronteiras da arte invadiu a cultura através da indústria cultural, a economia pela riqueza e a política pela figura do candidato divinizado.

Porém onde esta fez maiores estragos foi na sociedade na qual este gênio apresentou e desqualificou o pátrio poder. Pátrio pode que se corrompeu, gerou meias verdades que iniciam e se prolongam tragicamente até na área da reprodução humana. Meias verdades que enchem as ruas de gerações de pessoas resultantes da paternidade e a maternidade irresponsável e escamoteada através de hábitos herdados da cultura colonial brasileira. Nesta cultura colonial brasileira gerações de pessoas que tiveram o seu destino tolhido e abreviado em todas as direções. Se por acaso uma pessoa destas, estigmatizadas pela marginalidade, escapa ao seu destino, a sua vingança da paternidade e a maternidade irresponsável é certa. Vingança que ganha as formas do assalto à mão armada praticada para destruir vidas, os bens públicos e as instituições coniventes com estas meias verdades e com as suas trágicas consequências. A complacência irresponsável em relação à paternidade e à maternidade foi materializada pela "roda dos enjeitados" das Santas Casas. Desapareceu "a roda", permaneceram as consequências percebidas no hábito do assalto e promiscuidade. Promiscuidade como aquela de o senhor dos escravos ao intervir ativamente na reprodução do seu plantel de mão de obra gratuita e descartável. A religião, que administrava as consequências desta irresponsabilidade, nunca propôs, publicamente, qualquer reparação aos quatrocentos anos de silêncio conivente com a escravidão no Brasil. Para legitimar esta ignomínia e aplacar qualquer escrúpulo pessoal com esta situação desumana da escravidão, estas classes elevadas coloniais, praticavam traições contra esta religião oficial A classe dominante colonial mantinha a religião como fachada e a recompensavam com dádivas ostentosas, jogando-a assim na absoluta e ignominiosa heteronímia.

No contraste e para perceber esta corrupção brasileira, nada melhor do recuar para outras culturas e ali perceber o que pensavam e escreviam em relação à natureza da lei. Um texto de Hannah Arendt pode servir de inicio para o debate e onde ela escreveu (1983: 249 nota) que

"é bom notar que Montesquieu, que não se interessa pelas leis, mas pela ação que inspira seu espírito, define as leis como «relações entre os seres» ( Esprit des lois, livr. I ch. 1, cf livr. xxvi, ch.I) É uma definição surpreendente, porque sempre havia definido as leis em termos de fronteiras e limitações. A razão é que Montesquieu se interessava menos ao que ele denominava a ‘natureza do governo’- por exemplo república, monarquia, etc. - do que pelo princípio do governo ‘o que o faz agir’.. nas ‘paixões humanas que o fazem se mover’ (livr. III, ch. 1) ".

No Brasil colonial as Ciências Jurídicas foram colocadas na mesma heteronomia pela falta de qualquer forma definida na qual fosse possível contrariar os interesses das classes sociais colônias dominantes. A tolerância para a naturalização dos textos legais é porque eles tinham o objetivo que Schiller percebeu e escreveu (1963: 118) que o "escravo da Natureza quando apenas a sente, o homem torna-se o seu legislador quando a pensa". Como o colonizador tinha todo o cuidado para que os nativos não pensassem e nem representassem na Arte esta Natureza brasileira, tolerava qualquer ação uma vez que não questionasse o os contratos legais laços colonial. O pensamento e o núcleo deste poder jurídica residiam no além-mar, na Metrópole colonial e era algo inacessível ao poder originário brasileiro. Advogados, e muitos sacerdotes, eram filhos dos senhores das classes elevadas coloniais e não podiam contrariar a lógica e os paradigmas dos seus antepassados e nem aqueles do seu presente.

As Ciências Jurídicas continuaram na heteronímia no âmbito interno do REINO UNIDO PORTUGAL-ALGARVES e BRASIL. Elas enfrentavam atrozes discrepâncias e contradições que deveriam ser sustentadas legalmente por uma hermenêutica, no mínimo suspeita. Pergunta-se:

- De que forma a escravidão legal podia continuar no Brasil quando em Portugal continental era já havia sido extinta legalmente em 1761?

- Que "unidade" era esta?

Os holandeses no Brasil perceberam rapidamente esta tolerância na colônia lusa e escreveram que "não existia pecado abaixo do Equador".

Os imigrantes europeus foram trazidos ao país após a Independência formal brasileira. Foram colocados para ocupar os vazios geográficos na ótica do poder central. Outro objetivo era de branquear passivamente a raça. Para conseguir este contingente humano o Brasil acolheu as populações dos continentes europeus e asiáticos e que, na sua origem, eram considerados sobras da era industrial que ali se implantava. Estas populações de imigrantes traziam paradigmas já obsoletos nas suas pátrias de origem. Estes imigrantes entraram num violento processo de entropia cultural, quando instalados precariamente na nova terra Descompassados com o progresso de suas pátrias, além deste atraso e do pouco que traziam. A própria cultura lusa já experimentara esta mesma entropia da nova terra quando exportava a sua escassa população. Os seus degredados passaram inclusive a praticar os rituais indígenas de antropofagia.

A decadência e a corrupção moral sempre interessaram ao poder central. Constituíam uma forma de escamotear, pela divulgação do escândalo, a violência física, moral e política que este poder central praticava de forma continuada, silenciosa e impunemente. As fogueiras, as forcas e os suplícios públicos que este poder infligia pública e ostensivamente, estão no inconsciente coletivo. O réu indefeso pouco podia fazer diante dos cenários públicos, previamente armados pelo poder central, para escamotear a sua própria corrupção decadência e moral. Esta decadência e ignorância cavaram um fosso no inconsciente coletivo que mantém, de um lado, este povo que oferece assim todos os motivos para ser acusado de economicamente inadimplente e politicamente fraco. Do outro lado a decadência e a corrupção moral pública, prepara, selecionam e mantém poucos representantes e agentes que controlam o poder central. Este poder político, concentrado em poucas mãos, coloca e cria as condições formais jurídicas que perpetuam este poder político. Estes poucos aproveitam este poder político restrito para cercar-se com a muralha econômica intransponível e arrasam o pecúlio acumulado pelas pobres economias populares.

Estes poucos aproveitam também o poder mediático. Provocam, selecionam reações, editam e divulgam a decadência e a corrupção moral que induzem a ganhar forma publica. Provocam, selecionam reações processos que tramitam nos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Editam e divulgam aquilo que lhes parece proveitoso para escamotear a corrupção decadência e moral é inerente à sua própria natureza

A ação para expugnar e derrubar esta muralha concentradora da economia, da política e da mídia social, recebe um poderoso reforço na circulação ampla e aberta do poder da informação em toda a nação e por fora desta muralha. Esta circulação ampla e aberta, passa pela sociedade civil instruída e organizada. Os municípios propiciam proximidade, proporção e índices concretos e confiáveis para a organização, execução e avaliação desta circulação do poder. Ali o equilíbrio - praticado no exercício dos três poderes - ainda é possível diante de um projeto, uma execução e uma avaliação coerentes com o tempo e o lugar da cultura de uma sociedade organizada.

Esta sociedade organizada exibe uma bela genealogia e que se evidencia no contraste das mazelas, das recorrentes corrupções e mentalidade atenta em socializar prejuízos e embolsar lucros.

Para perceber este contraste é indispensável um paradigma no qual está inscrito o código genético da liberdade, da civilização e da coerência com o aqui e agora. Nas artes o esteta Pächt escreveu (1994: 123) que

"da mesma maneira que na biologia existe uma ontogênese e uma filogênese, as relações entre indivíduos, que participam de uma evolução estilística, são considerados como relações de parentesco; traçamos a genealogia de uma arte ou de uma personalidade artística, de um ponto de vista biológico, com antepassados e posteridade artística, A pesquisa genealógica, sob a forma habitual de uma dedução genética das correntes artísticas, torna-se uma das preocupações essenciais de nossa disciplina, principalmente porque a história da arte e de sua «evolução» não há distinção ou exceção ao princípio de causalidade que faz depender uma obra da arte de uma outra, desconhece o fenômeno da partogênese e considera que as criações artísticas, as mais originais podem constituir o objeto, apesar das simples transformações progressivas, de uma dedução genética’.

Com pouco esforço é possível ampliar este projeto, para a política e administração pública e particular. Sem qualquer determinismo preliminar - fundado em férreas grades de causalidades ideológicas - é possível suscitar motivações individuais e coletivas para empreender e a sua execução e uma avaliação coerente com o projeto com o seu tempo e o seu lugar numa cultura de uma sociedade organizada.

 

1.06 - O PODER ORIGINÁRIO e o QUARTO PODER

 

Uma das soluções mais eficazes para organizar a sociedade parece consistir em estabelecer a origem de todo o poder, trabalhar e avaliar a partir do ponto de referência da célula municipal. O povo encontra ali uma proporção entre o minúsculo indivíduo e o Estado incomensuravelmente grande. Uma nação que ruma para a construção, a manutenção e a reprodução a sua soberania, necessita desta instância nuclear para a sua auto-organização. Se de um lado a idéia da sociedade organizada necessita pairar soberana sobre religiões, ideologias, interesses do capital e do trabalho, no extremo oposto ele necessita de vínculos coerentes, contratos sólidos e interações continuadas com os indivíduos avulsos que a compõe e aciona. Estes vínculos, contratos e interações ganham corpo e rostos legíveis e identificáveis no âmbito dos municípios e dos partidos políticos que ali possuem as suas bases. O município e o partido não são excludentes, bem ao contrário. A maioria dos povos experimentou o "partido" como a forma institucional de origem e organização do poder originário nascido, desenvolvido e reproduzido na célula municipal.

O Estado pós-iluminista colocou o suporte da sustentação do governo sobre o triângulo formado pelos vértices do executivo, do legislativo e do judiciário. No entanto a figura do triângulo é de equilíbrio mínimo e precário das forças, que nele agem, em permanente busca de um ponto de homeostase. As forças de um quadrado sustentam-se com muito mais eficácia do que aquelas estruturadas e limitadas por num triângulo. Que o digam as formas que tomavam as legiões romanas. Aos três poderes do Estado pós-iluminista acrescenta-se o Poder Originário para constituir este quadrado político administrativo. As forças que emergem e tomam formas ativas e legíveis pelos instrumentos das informações numéricas digitais apontam para este QUARTO PODER. Contudo é um poder que necessita de intensa, continuada e forte pulsação de sístole e diástole para impulsionar, manter e avaliar a circulação do poder que ali flui. De um lado é necessário deixa-lo imune a se constituir como objeto de conquistas definitivas de indivíduos, grupos e interesses menores do que a nação. De outro lado esta circulação necessita a sua constante reversibilidade para a sua origem e a sua fonte. Esta vigilância perpétua contra quem o possa conquistar este QUARTO PODER, naturalizá-lo e personaliza-lo, e, assim, torná-lo unívoco, linear e previsível para enfrentar a sua desqualificação, sua corrupção e falta de sentido para o Poder Originário. A homeostase entre estes extremos é obra da engenharia política quântica. As ferramentas numéricas digitais ganham função neste processo dinâmico, mostram a sua operacionalidade e produzem feedback continuado e fidedigno

No Brasil foram experimentadas velhas fórmulas que possuíam os quatro suportes, inclusive o parlamentarista do Império. Porém não faziam sentido e não vingaram devido à extensa e imponderável cultura colonial brasileira que excluída liminarmente uma altíssima porcentagem do Poder Originário da nação. Cultura que comprovou que ela é incompatível com o tamanho da Nação, tanto nos extremos da lenta sucessão no interior de uma dinastia familiar, como no contrário, quando se requer a troca rápida, ágil segura requerida no parlamentarismo pela figura de um 1° ministro. Na atualidade seria algo temerário requentar inopinada e precipitadamente qualquer destes contratos, leis e hábitos coloniais.

Os meios de comunicação podem representar, num Estado, os instrumentos eficazes para conhecer, deliberar e decidir em relação o fluxo do poder, além de identificar-se e corresponder à uma espécie de o "quarto poder" impessoal. Esta impessoalidade não poder ser apropriada e emperrada no interior de uma dinastia familiar. As tomadas de decisões exigem trocas rápidas, ágeis e seguras - mesmo de agentes - que não acompanham a eficiência. Neste âmbito é impossível pactuar com agentes que apenas querem ocupar cargos sem nada entenderem ou neutralizarem as funções destes cargos.

A corrupção, a entropia e os ruídos rondam também os meios de comunicação. O fluxo de informações ao cair nas mãos de quem desconhece a ética, arrasa o sentido e corrompe a prática do frágil triângulo do poder formado pelo executivo, pelo legislativo e pelo judiciário. A corrupção e a entropia podem dominar o puro poder, enquanto os ruídos e os eventos vazios de sentido abafam, amortecem e alienam este mesmo poder. Todos conhecem no Brasil, do passado e do presente, a atuação das corporações, dos ciber-piratas, dos coronéis, ou dos caciques ou de seus clãs infiltrados em cargos chaves da nação.

A maioria dos partidos adotou o presidencialismo como principio. Assim a pessoa do seu presidente também é potencialmente o vértice da autoridade partidário. O fórum destes presidentes nacionais de partidos representaria a convergência da sociedade organizada e se configuraria o espaço natural de interlocução do povo e da nação. Fórum apontado, aqui, como o vértice qualificado com o qual o executivo, o legislativo e o judiciário nacionais teriam uma sólida plataforma permanente se atualizarem e para negociar. A maioria das instituições republicanas age neste ideal.

No contraditório o maniqueísmo se instalou no Brasil, no início do terceiro milênio. Neste maniqueísmo os partidos se aglutinaram na prática de se constituírem em dois polos opostos do A FAVOR e do CONTRA. A sólida e variada plataforma permanente se encolheu e caiu num reducionismo voluntarista. Redução que se traduz num grupo "contra o executivo" e outro a "favor do executivo". Tal maniqueísmo denuncia e evidencia a falta de programas ou de contratos levados à sério de tais partidos. Isto sem insistir na constatação diária da infidelidade partidária, escancarando a falta total de qualquer contrato com a sociedade organizada.

Apesar disto o "partido" continua sendo um projeto de organização da sociedade e da palavra gasta pelas piores corrupções, de frequentes atoleiros, com do "partido único" ou do bipartidarismo determinado pelo interesse de um dos três poderes. A via partidária, saudável e coerente, oferece um projeto de contrato que versa publicamente em relação à organização de uma determinada sociedade almejada. O partido parece ser ainda a saída mais lógica e uma garantia para a estabilidade para os outros três poderes, e a própria segurança deste tripé.

Nesta segurança e estabilidade é necessário colocar a Politica acima de partidos. Estes por sua vez, vindo do Poder Originário, prosperam neste horizonte no qual seja possível ter um panorama do bem geral. Panorama geral no qual pode prosperar uma representação do Poder Originário que Villela enunciou (1997: 275) como mais coerente com a realidade:

"Na década de 80, desenvolveu-se uma nova trajetória que apropriando-se de novos estudos, surge como História Cultural, no momento que a visão dos historiadores passa a aceitar novos olhares sobre a realidade. Essa forma de ver a história se desloca da visão compartimentalizada do passado buscando a abrangência a totalidade, das coisas, objetos, sociedades, pensamentos, representações. Busca uma interdisciplinaridade entre múltiplas dimensões da realidade e de se ver essa realidade. Passa-se da análise das práticas da história social ao estudo de suas representações. Essas representações tanto podem ser a partir da construção das cidades, como na construção intelectual, literária, plástica e musical, permeando-se nos textos visuais e verbais".

Como esta abertura cultural está em quem a pratica e não naquilo que produz, a autêntica representação encontra-se em quem a cria, conduz e reproduz. Ela não se encontra no gênero que Aristóteles configura (1973, p. 14 Tópicos-I.5 [102]) como " é aquilo que se predica na categoria de essência, de várias coisas que apresentam diferenças específicas". Este mesmo conceito Willy Corrêa de Oliveira (in Barbosa, 1993: 37) transfere para a representação na qual:

"hoje os gêneros já não causam desavenças. Decisivo é o ato de fazer: o gosto, não o discutimos mais. Imersos no irenismo os autores do Organon são complacentes com todas as vocações-limites. Importa a arte e não o gênero no qual a arte vai se expressar".

Importa a Politica e não com a política irá se expressar. Qualquer contrato não pode incluir ingerências indevidas na medida em que coloca a Politica acima de partidos. A agremiação que possui a fortuna de prosperar no âmbito do Poder Originário é aquela cuja fonte esta nas representações coletivas. Isto Chartier explicita (1998: 78 - 178) que "a realidade é construída por diversos grupos que compõe uma sociedade; uma lei ou posto significa simbolicamente uma identidade e uma maneira própria de ser no mundo". Ou em outros termos, os seus lideres falam, sugerem e apontam as ações que estes diversos grupos pensam, sentem e querem fazer. Argan insiste no mesmo tom afirmando (1992: 23) que "as formas institucionalizadas e objetivas marcam de forma visível e perpetuam a existência do grupo, da comunidade ou da classe". Evidente que um partido necessita a fonte do Poder Originário para a sua autonomia econômica e sem favorecimentos ou contrapartidas governamentais de qualquer um dos três poderes. Porém as fontes do financiamento de forma alguma podem ser pretextos para ingerências indevidas destes partidos. Muito menos servirem posteriormente com fontes de ’mensalões’ corruptores das demais agremiações partidárias. Se examinarmos os voos curtos dos partidos brasileiros, certamente irão despontar os seus conluios obscenos com governos transitórios. Partidos que parecem criados e lançados apenas com os respectivos planos de vôos em direção aos fundos partidários governamentais.

Estes assaltos contra as concepções da Democracia - e os malefícios do populismo - estão sofrendo revisões, a serem conferidos em:

 

 

 

1.07 - A AUTORIDADE e os ATRAVESSADORES de INFLUÊNCIAS.

 

Há necessidade de distinguir o poder de autoridade. A autoridade resulta do contrato da autorização do exercício do poder e no interior de competências especificadas por limites.

O Brasil nasceu sob o signo de que «a lei precede o fato». A pirâmide da autoridade foi construída a partir de um centro que ficava na Europa. A lei, precedendo o fato, colocou o rei, o imperador ou o presidente no centro desta autoridade, por meio de frágeis contratos e a revelia da vontade da sociedade organizada, do povo e da nação. As culturas anglo-saxãs caminham no sentido contrário. Nelas o comportamental e o acúmulo dos fatos das sucessivas experiências do mundo empírico chega só depois ao mundo ideal abstrato de uma lei.

Contudo impõe-se admitir alguns conceitos de ‘mediação’ de ‘mediador’ e de ‘intermediário’. No conceito de ‘mediação’ Gleizal, percebe (1994: 48) que:

"designa o modo de funcionamento do político na arte política. É um verdadeiro conceito que permite pensar a autonomia de uma arte social e política. Pela mediação, a arte se socializa, mas segundo mecanismos que lhe são próprios. A arte abre-se ao político, mas sem aí se perder, podendo agir sobre o político".

No termo ‘mediador’ conforme Hennion et Latour escreveram (in Gleizal 1994: 24) que:

"o mediador transporta, redefine, desdobra e pode mesmo trair, enquanto o intermediário deixa intacto. Enquanto o mediador penetra naquilo que ele liga e pode mudá-lo, o intermediário fica externo em relação as partes sobre as quais trabalha. O intermediário é incapaz de produzir a alquimia que caracteriza a ação do mediador transporta, redefine, desdobra e pode mesmo pode trair" .

Já no termo ‘intermediário’ o teórico Ladriere distingue (1977: 17) que este "deixa intacto pois fica externo às relação as partes que trabalha"

Conforme os conceitos de ‘mediação’, de ‘mediador’ ou de ‘intermediário’ a cultura refere-se ao cidadão ou então aquela do ente publico. A cultura do cidadão o teórico Chartier resumiu (1998: 62) que "no plano individual pode ser um certo desenvolvimento de uma certa personalidade". No concerne àquela de uma coletividade o intelectual Ladrière assinalou (1977: p.16 e p.77) que

"a cultura de uma coletividade pode ser considerada como um conjunto formado pelos sistemas de representação, os sistemas normativos, os sistemas de expressão e os sistemas de ação desta coletividade [...] A cultura de uma coletividade é o conjunto dos sistemas de representação, normativas, expressão e ação".

A cultura de um cidadão converge com aquela do seu Estado na ocasião em que o poder público está na eminência de se esvaziar e o eleitor legítimo é convocado para preencher estre vazio por meio do seu voto. Na cultura brasileira o voto é um frágil e índice gasto de um frágil um contrato compulsório entre o indivíduo com a sua coletividade. Índice que pretende significar os vínculos de um cidadão com uma cultura gasta. Cultura na completa heteronímia de um eventual partido de plantão ou de uma pessoa que conquistou e se diz candidato num quadro cultural formal pré-existente.

Contudo a sociedade brasileira aprendeu cedo que este voto e esta delegação no interior de um quadro legal formal pré-existente podem ser corrompidos pelas mais variadas estratégias explícitas e subliminares. Corrupção realizada por mediadores, atravessadores e representação de promessas enganosas e de contratos apresentados pelos atravessadores de influências. A história destas votações - e das suas manipulações formais - abrange o Reino, o Império e a República. O longo período da heteronímia colonial brasileira deve ser avaliado indiretamente como literatura que produziu e as suas circunstâncias. Entre tantas manipulações e procrastinações da expressão das deliberações e decisões do Poder Originário basta lembrar que o voto feminino só passou a contar oficialmente, no Brasil, a partir do dia 24 de fevereiro de 1932. Porem estes atravessadores do poder não desistem e corrompem a realidade administrativa concreta e objetiva. Quais mascates da ilusão, estes atravessadores do poder venderam uma imagem genérica do Brasil como pais do futuro como aquele que vende terrenos na Lua. As velhas elites, incapazes de controlar as suas dissimulações, atravessam e atropelam, a qualquer pretexto, e a qualquer autoridade constituída. De fato conseguem apenas o contrário do que pretendiam com estes atropelamentos da autoridade e suas vigarices. Diante do histórico destes atropelamentos de sua autoridade, aqueles que ocupam cargos no Brasil se agarram, a qualquer pretexto, cada vez mais ao cargo, como o homem, castigado pelo vento frio, se agarra e se cobre cada vez mais ao seu capote. Como na fábula, só a garantia do calor dos raios solares da democracia permite ao ocupante retirar este capote do poder, e entregar-se à salutar alternância nos cargos.

Os atravessadores do poder quebram a espinha dorsal da autorização do exercício legítimo deste poder e arruínam toda a lógica institucional. Desmontam a linearidade administrativa pela denúncia vazia. Valem-se daquilo que Ruben Oliven (1992: 26) caracteriza como ‘mito da fala despolitizada’. Esta possui como:

"seu princípio transformar a história em natureza e a contingência em eternidade. Ele não se propõe a esconder ou ostentar algo, mas deformar. Na medida em que a função específica do mito é transformar um sentido em forma, ele é sempre um roubo de linguagem. O mito nas sociedades modernas é uma fala despolitizada que se imagina eterna".

Nesta deformação desqualificam e congelam a ação da autoridade das instituições destinadas ao bem comum e que lhe dão suporte.

Esta desmontagem teve apoio e processou-se no interior da seguinte contradição:

«1 - A lei precede o fato

2 - O fato é a origem da lei»

Evidente que jamais os dois paradigmas entram num acordo. A cultura de a "lei preceder o fato", pode gerar, no máximo, explicações, leis secundárias e sem sentido para a sociedade organizada, o povo e a nação, Os atravessadores do poder encontram, neste vasto território penumbroso de indecisões, o seu nicho e desenvolvem a sua ação deletéria, parcial e interesseira. A autoridade torna-se cativa destes atravessadores. A autoridade é enquadrada na escravidão que ocorre quando um ente é impedido de deliberar e de decidir, nas concepções de Aristóteles,

O Brasil acumula um imenso capital e se constitui num celeiro de experiências da autoridade das mais variadas e contraditórias formas administrativas. De um lado o fato precedendo a lei escrita está presente na realidade do cacique no clã da tribo indígena ou do pátrio poder do coronel evidencia. No contrário - da lei determinando a natureza das províncias coloniais e imperiais - é um legado é sempre respeitado e que permanece incólume e se reproduz até o presente. Pouco adiantou que o Decreto da Proclamação Republica reconhecesse como "soberanos" os estados regionais brasileiros. O círculo nacional constituído pelo território e um povo, continua a alimentar a inteligência brasileira mergulhada nesta contradição ou dúvida se:

- a lei ou o fato impulsionam as suas vontades e os seus direitos?.

Os municípios responderam com mais desenvoltura a esta dúvida administrativa. As células municipais tornam-se mais aptas e dinâmicas, já na era industrial. Aceleraram esta aptidão e dinâmica antes do salto da era numérica digital. Dinâmica e competência que estão ampliando e fortificando o histórico de sua proximidade com a sua origem rural. Estas células municipais multiplicaram-se e foram capazes de comandar o fato concreto da sua própria autonomia, pois estavam conscientes dos seus limites e das suas competências especificas. Impõe-se, agora, manter fortificar e atualizar a sua correta e coerente conexão com a Nação brasileira. Um pacto municipal específico embasou a consciência das suas competências e possibilidades reais no seu interior de seus limites. No âmbito de uma Nação possuem condições, no plano externo, para evidenciar e objetivar a busca da complementação da sua competência, pois estão conscientes dos seus limites e das suas identidades próprias. As células municipais conseguem identificar mais facilmente os mascates, os mediadores e os atravessadores do poder do que aqueles que usam e recorrem aos ocos do poder central para vender as suas ilusões.

A informática numérica digital responde a toda esta busca de complementação, permitindo retornar às experiências mais diversas e primárias, fazendo circular o poder entre cinco ondas (ver fig. 001) que se entrecruzam no interior dos limites territoriais brasileiros. O indígena usando celular não é mais uma ficção, como também não era industrial, na época do Marechal Rondon, quando o índio embarcava num Ford Modelo 29 para ir ver um filme na cidade dos brancos.

Não se discute que um governo está colocado para exercer a sua ação nos limites de uma lógica administrativa no seu Estado e na sua nação. O apoio de um QUARTO PODER - no interior dos limites da lógica estabelecida entre os seus três poderes clássicos - não deveria gerar dificuldades. Ao contrário, a lógica administrativa, executiva, legislativa e judiciária na sua autonomia encontraria um referencial externo e impulsionado do poder comum aos três. Ao mesmo tempo o QUARTO PODER seria a conexão entre o município, o estado federado e da própria federação. Um diálogo constante e frutífero com a sociedade civil organizada é o meio de constituir, manter e recuperar a quarta base como referencial externo e impulsionador do poder comum. Poder comum mesmo que esta sociedade tenha como forma simultânea e viva da tribo de coletadores, do patronato agrícola, dos sindicatos industriais, das "ONG´s" ou "blogs" virtuais.

 

1.08 - O PODER, a AUTORIDADE e a INFORMAÇÃO.

 

A cultura social humana exige uma nova forma de autoridade. Esta forma do exercício do poder torna-se possível graças aos vetores da informática numérica digital. Esta possibilidade emerge da circulação da informação, em volumes expressivos, em tempo real, sob a orientação múltipla, simultânea e em tempo real. Emerge com a possibilidade do armazenamento das informações sem limites. Firma-se pela reversibilidade e da recuperação imediata e integral destas informações disponíveis 24 e abertas 24 horas do dia e 365 dias por ano. Eclipsa-se a forma de autoridade que se mantinha no poder com mistérios e a venda das suas ilusões.

Este eclipse é coerente com a natureza da norma ou "nomos" que Hannah Arendt reconhece (1983: 104 nota 4) na "palavra grega para lei, nomos vem de nemein que significa repartir, possui ( o que se possui) e residir...A palavra latina lex, possui um sentido diferente: ela indica relação entre homens mais do que separação". Da mesma forma Marcuse entende( 1981 p. 79) que:

"o nomos a que a arte obedece não é o do princípio da realidade estabelecida, mas a sua negação. Mas, uma mera negação seria abstrata, «má» utopia. A utopia na grande arte nunca é a simples negação do princípio de realidade, mas a sua preservação transcendente (aufhebung) em que o passado e o presente projetam a sua sombra na realização. A autêntica utopia baseia-se na memória".

Com esta concepção de lei, de norma ou de "nomos" é possível uma nova forma de autoridade. Autoridade que exerce a sua competência abastecida e abastecendo, com eficiência, a circulação do poder também com os vetores da informática numérica digital. Esta garante a continuidade e o potencial para reproduzir os conhecimentos, a vontade e direito desta nova forma de autoridade.

No contraste desta nova forma de autoridade e dos vetores da informática numérica digital, perduram resquícios da cultura da infra-estrutura agrícola quando o poder era delegado aos reis e à sucessão em famílias. Nos vestígios deste paradigma o poder continua a cultura do exercício autorizado do mando absoluto, universal e hereditário, confundindo-se com a própria divindade. Perduram também os recentes resquícios da cultura da era industrial subsumidos pelos vetores da informática numérica digital. Nela os cidadãos, que se consideram competentes, habilitam-se ainda ao exercício do poder por um prazo determinado. Para tanto, estes cidadãos submetem-se à eleições nas quais se estabelecem os termos de um contrato com os demais cidadãos que lhes delegam, pelo seu voto, o seu poder pelo período estipulado neste contrato.

Na administração reforçada pela infraestrutura proveniente da técnica e da cultura virtual das informações numéricas digitais impõem-se deliberações e decisões por tempos mais curtos e "just of time". A informática é capaz de dividir estas deliberações e decisões em frações cada vez menores para dar continuidade ao contínuum administrativo. Recorda-se Leonardo da Vinci quando escreveu que "todo o continuum poder ser dividido em infinitas partes". O continuum administrativo de uma nação exige que as infinitas partes que a constituem, possam agir para manter vivo este organismo composto de fractais coerentes com o todo. Esta coerência necessita enfrentar o desafio da criatividade linguagem humana intima e coerentemente associado à sua conduta. Este desfaio é apontado por Maturana e Varela quando afirmam (1996 p 173) que:

"a história evolutiva do homem, ao estar associada as suas condutas linguísticas, é uma história na qual foi selecionada a plasticidade condutual ontogenética que faz possível os domínios linguísticos, e na qual conservação da adaptação do ser humano como organismo requer de seu operar nos ditos domínios e da conservação de tal plasticidade De modo que ali onde a existência de um organismo requer da estabilidade operacional de seus componentes, a existência de um sistema social humano requer a plasticidade operacional (condutual) deles".

A íntima e coerente associação da conduta humana com a criatividade e a linguagem é também o campo dos vetores da informática numérica digital. Porem, esta nova tecnologia numérica digital, por mais abrangentes e avançados seja os seus estes vetores, revelam, reforçam e disseminam o que Gleizal escreveu (1994: 49) em relação á criatividade e ao testemunho histórico fornecido por uma obra de Arte. Para ele "a obra de arte como um documento histórico na medida em que revela a sua historicidade do homem com a sua visão limitada do mundo e sua gama limitada de expressão. O ser humano, pela apropriação artística do mundo, não perde o contato com ele mas o contrário, faz-se o seu testemunho". Numa concepção mais sintética Chartier, sentenciou (1998: 97) a obra de Arte "e o produto de uma negociação entre um criador, as instituições e as práticas da sociedade". Numa sentença mais longa Belting afirmou (in Gleizal, (1994:. 49) que:

"a obra de arte testemunha não só a arte, mas o ser humano que, pela apropriação artística do mundo não perde o contato com ele, mas ao contrário, faz-se o seu testemunho. Na obra de arte, o homem revela sua historicidade com a sua visão limitada do mundo e de sua gama limitada de expressão. Nesse sentido a obra de arte é um documento histórico".

Nestes raciocínios, provocados pelo campo estético, existe uma busca de proporção, de reconhecimento dos limites da criatividade e da imaginação humanas, sem renunciar a todas as energias campo de suas forças. Existe um estranho fato no mundo da administração pública brasileira que testemunha a falta de preocupação, ou medo, de incluir nos quadros administrativos públicos os profissionais eruditos do campo das artes. Esta verificação só se evencia por tabela em texto de Cunha onde ele registra (1980: 105) que:

"os alunos que pretendiam ingressar na Academia [de Belas Artes] precisavam apenas saber ler, escrever e contar, conforme os Estatutos de 1855. A razão, dessas diferenças está no fato do ensino das belas-artes não garantir aos formandos o privilégio de ocuparem cargos na burocracia do Estado, nem exercerem profissões liberais controladas por entidades corporativas".

No Brasil o vestibular tornou-se um mito sustentado por uma legislação que por sua vez e fruto de pressões oriundas de profissões que se consideram hegemônicas e com esta hegemonia ditam normas para a autonomia universitária.

Alguns consideram a criatividade como algo perigoso para a Ciência. Percebem a estética e a criatividade como algo imponderável e de significado flutuante. Em relação a um dos mais conhecidos expoentes das Ciências Marchán Fiz registrou (1996: 242 /3) que

"um representante (do estruturalismo) tão qualificado como Levi-Strauss, não só considerava a arte nas coordenadas do símbolo e a percepção estética como algo incompatível com o conhecimento científico, como também sustentava que a arte bebe do poço quase insondável do significante flutuante, quer dizer, dessa super-abundância ou excesso obscuro que escapa as análises definitivas, às formalizações exaustivas, já que na obra artística o significante e o significado são assimétricos, isto é, não se relacionam de modo linear, não se acoplam como ‘um molde’".

O que pode parecer um grave problema e motivo para colocar a arte de quarentena, abre do outro lado uma íntima e coerentemente criatividade humana para tecer e sustentar uma continua associação de linguagens. Uma linguagem permite transformar ‘o cru em cozido’ numa das mais conhecidas metáforas de Levi Strauss. A operação da linguagem é uma das tarefas da técnica da linguagem numérica digital. No campo político, a manutenção da circulação da criatividade de imaginação não constitui um poder para si mesmo com a sua conduta um poder central desta nação. A Obra de Arte é um patrimônio material e imaterial, para o indivíduo, para a sua nação e para toda a humanidade. O continuo administrativo supõe viver e se sustentar ao longo das 24 horas diárias, por sete dias por semana e ao longo do ano todo, sem férias ou feriados. Este contínuo e formado por séries de eventos que se encadeiam ao modelo de um padrão infinito islâmico. Na sua repetição incessante incorporam o novo do seu tempo e lugar. A série pode representada como uma ordenação sequencial em que todo o elemento novo é incorporado para ser repetido adiante. Hansen informa (1998: 113) que

"a série é o meio de construir uma repetição que nunca é a mesma, porque também implica uma diferença, como um perda ou um desnível do que se repete naquilo que é repetido. Na sua ordenação sequencial, a série implica uma organização do tempo de experiência".

Por sua vez Argan explica (1992: 33) que:

"entre as unidades de que é composta, não há apenas analogias, mas desenvolvimento ou progressão. Não há explicação sem a constituição de séries de fenômenos, econômicos, políticas, culturais. Sá há história por que certos fenômenos continuam".

Diante desta concepção de séries não adianta multiplicar a base administrativa com incontáveis ministérios e ministros dos mais variados setores seja na cultura da infraestrutura agrícola, da industrial ou da numérica digital. A quantidade presente numa série não é sinônima de sua qualidade intínseca. Basicamente o Brasil necessita de dois ministros (interior e exterior) e a quem estariam subordinadas hierarquicamente as diversas secretarias nacionais e internacionais mantidas pelo governo central e com sentido para o todo do Poder Originário. Estas secretarias do ministério do interior necessitam reunir-se no início de cada dia para examinar o seu sentido face ao poder Originário. Para este exame - realizado nestas reuniões diárias matinais - sob a presidência do executivo, recebem os informes de todos os estados e seus municípios, as conhecem estas informações e a sua origem, as discutem e as hierarquizam no interior de um projeto nacional e, então, passam para a prática. O ministério do exterior necessita de acesso continuado, e em tempo real, às informações fidedignas de todas as nações. Estas informações também seguem o mesmo processo do conhecimento diário, da discussão, da hierarquização, dentro de um projeto nacional, e passam, então, para a prática responsável no concerto das outras nações.

O Legislativo e o Judiciário necessitam a mesma circulação de informações para atingir consensos e coerências pontuais atingidos pelo Executivo por meio desta prática contínua e ininterrupta. Há necessidade do conhecimento em tempo real, da hierarquização, da discussão e das ações afetas aos três poderes.

O que se deseja ressaltar aqui é que este consenso e coerência não acabam internamente e se esgotam nos três poderes do poder central. Impõe-se o contraponto no qual a sociedade civil organizada também delibera, decide e delega continuamente o seu conhecimento, a sua vontade e o seu direito aos seus partidos. Para tanto buscam formas coerentes para delegar este conhecimento, sua vontade e o seu direito por meio de veículos perceptíveis e públicos. Estas formas públicas e vínculos externos, aos três poderes, podem materializar-se nas presidências nacionais dos partidos e que não sejam ocupantes de algum cargo no exercício de um dos três poderes do Estado Nacional.

Os poderes centrais deliberam e decidem pela manhã. O tempo, posterior ao meio dia, destina-se para tratar dos processos das implementações destas deliberações e decisões por meio de ações visíveis e externas.

Não há como os agentes, no exercício do poder central, falhar a estas reuniões deste mesmo poder central. Quem assume um cargo, em algum destes poderes, desta esfera do poder central, regula a sua presença física, nestas deliberações e decisões, por meio de contrato pessoal explícito. Os finais de semana podem ser reservados para eventuais presenças dos poderes centrais em outros locais do território brasileiro.

 

1.09 - O PÁTRIO PODER, o MUNICÍPIO e a sua ADMINISTRAÇÃO.

 

O Estado romano mantinha por base e por referencial o pátrio poder nas suas práticas administrativas. A soma de todos os "pátrios poderes" e de todos os "lares" com as suas divindades (antepassados) constituía o Estado ou a Pátria. Esta soma da base em direção ao vértice - para constituir o Estado Romano - é denominado, aqui, como PODER ORIGINÁRIO. Na prática administrativa romana não havia nenhuma intenção moral, religiosa ou filosófica. A sua prática administrativa era comandada pelo acúmulo econômico. A entrega do poder ao patrício, legitimado pelo Estado Romano, funcionou ao longo do período Republicano e com vistas deste acúmulo. Todos e tudo aquilo que pudesse questionar este processo de acúmulo centralizado num Estado era afastado. No rigoroso exercício administrativo do poder romano, a prática da austeridade e a transparência no espaço público eram as virtudes maiores. O vértice do Estado apregoava este projeto e a esperança de que este contrato tácito fosse respeitado e era o cimento que ligava as vontades singulares do Poder Originário romano. Para não prejudicarem este acúmulo e controle convergente no Estado romano os menores, os estrangeiros e os escravos, com seus descendentes, eram excluídos liminarmente desta estrutura.

A entrega do poder ao patrício, legitimado pelo Estado Romano, sofreu sérios abalos após a desobediência civil e antes da instalação do Império. Um dos atos visíveis desta desobediência foi a das legiões infringirem a lei ao atravessarem o Rubicão em desfile armado em direção de Roma. Contudo - numa visão panorâmica e abstrata - o poder do Estado Romano começou a confluir para um personagem central, que acumulou os poderes máximos nos seus ombros pessoais. Este imenso poder hipertrofiado começou a tornar-se incontrolável pelo Poder Originário na medida em que foi substituído e personalizado pelo imperador. Muitos destes imperadores romanos foram eliminados e mortos por estas forças incontroláveis, como já havia acontecido com Júlio Cesar. O Império Romano atingiu rapidamente os limites incontroláveis no interior das suas extensas fronteiras. A transparência e a austeridade republicanas deram lugar ao luxo e às negociações pessoais escusas, comandados por interesse particulares, de imperadores, generais e famílias patrícias enriquecidas pelo acúmulo de bens e de poderes. O controle, o equilíbrio e a proporção, deste Estado Romano hipertrofiado, tornaram-se impossíveis, perderam os seus limites e degeneraram. A corrupção do vértice chegou à origem do poder romano. Este poder de origem republicana não percebia mais nenhum sentido no seu trabalho, esforços e sacrifícios para manter vivo o processo de acúmulo centralizado num Estado corrompido no vértice. A entropia, o caos e a desobediência civil fizeram o resto da ruína do colossal Império romana. Não havia mais sentido em manter o processo de acúmulo centralizado num Estado. A colossal metrópole da Roma Imperial foi reduzida de 1.600.000 para uma modesta cidade de 20.000 logo após a sua queda.

Foi necessário recomeçar tudo a partir do Poder Originário. Os pequenos feudos medievais recomeçaram da base na busca de um vértice comum em o objetivo de reconfigurar o mosaico multicolorido que formavam. A monetarização das culturas levou estes pequenos estados a perceberem este vértice em comum era um Estado patrimonial. Isto é o Faoro percebeu (1975: 15) e escreveu que:

"a realidade econômica, com o advento da economia monetária e a ascendência do mercado nas relações de troca, dará a expressão completa e este fenômeno, já latente nas navegações comerciais da Idade Média. A moeda – padrão de todas as coisas, medida de todos os valores, poder sobre os poderes – torna esse mundo novo aberto ao progresso do comércio, com a renovação das bases de estrutura social, política e econômica. A cidade toma o lugar do campo. A emancipação da moeda circulante, atravessando países e economias até então fechadas, prepara o caminho de uma nova ordem social, o capitalismo comercial e monárquico, com a presença de uma oligarquia governante de outro estilo, audaz, empreendedora, liberta de vínculos conservadores"

Ao acompanhar a História de Longa Duração é possível perceber que as diferentes moedas ganharam formas de mediação nas respectivas alfândegas entre estes feudos com rígidas fronteiras guarnecidos de assustadores castelos. Estas rígidas fronteiras gradativamente estabeleciam formas de comunicação e celebração de contrato. Assim é possível perceber com os Estados Nacionais, se reencontraram após um milênio da queda do Império romano. As somatórias sucessivas e gradativas das competências destes feudos passaram para a constituição dos Estados Modernos, Um destes estados nacionais - reconfigurado da base para o vértice - foi Portugal. Na base o município, o "concelho", a comarca e o retomaram o seu papel primordial de origem para o Poder Originário da Nação Lusa se organizar e conferir lógica e sentido nacional.

Na origem da cultura luso-brasileira o município foi a semente, a base de reprodução e o refúgio deste Poder Originário, em especial no que concerne ao pátrio poder. Este pátrio poder recebeu a posse da terra e da família monogâmica na medida em que significasse a manutenção da base de um poder estável e hereditário do Estado luso-brasileiro. O poder central, do rei e do imperador, era a expressão superior e aparente desta infraestrutura da era agrícola. Na era industrial o proletário assistiu à fragmentação desta família monogâmica. O pátrio poder tornou-se simbólico enfatizando e promovendo a autonomia do indivíduo.

No caso da informática e do "bebê de proveta" rompe a lógica da posse simbólica a família proletária. Esta nova infraestrutura impõe ao pátrio poder virtual a migração lenta e subliminar aos instrumentos numéricos digitais. Esta nova forma do poder materializam-se no exercício, na delegação e na circulação por meios comandados pelo número e da senha. Entre tantos outros o número da senha comandos de um sem número de instrumentos como o cartão de crédito. As conquistas da época da infraestrutura da era agrícola e industrial estão migrando fisicamente aos museus onde são reciclados e administrados como bens destinados ao turismo e ao lazer. O pátrio poder, o município e Estado Nacional pagam altos preços para terem o direito de conquistarem e manterem do seu lado o Poder instável que lhe deu origem.

 

1.10 - O preço para administrar um grande país a partir da base dos seus municípios.

 

O sonho do monarca mesopotâmico - do colosso de ferro e de bronze com os pés de barro – concretizou-se numerosas vezes. O sonho se concretiza cada vez que um governo de uma nação centralizou o seu poder no vértice e ignora a base do Poder Originário. Concretiza-se pelas mãos de um único mandatário de uma nação, de uma única cidade ou num partido político único sem vínculo direto e renovado com o poder originário de sua nação. Os pés de barro da população desta nação começaram a vacilar e a cobrar rapidamente as consequências dos descuidos na sua consolidação e mostram as suas fragilidades para sustentarem este colosso deficitário. Um Estado e um governo de uma nação, por mais poderosa que seja, são sempre o resultado das deliberações e decisões da pessoa humana. Pessoa humana que sempre foi comparada com a argila.

A origem daquilo que é sólido, mesmo na economia, resulta daquilo que é pequeno, humilde e até microscópico. Apostar no município é inverter esta lógica concentradora. Consiste em apostar no pequeno e humilde barro humano. No município é mais fácil chegar à origem do poder apesar de aparentar pensar pequeno. O poder de origem, proveniente de uma pequena e acanhada comunidade municipal, contrapõe-se dialeticamente a imensidade do Brasil tendente a se agarrar á mentalidade onipotente, onipresente, eterna e onisciente. No entanto o sentido, a coerência interna e a fertilidade provem do humilde barro humano da célula municipal. Esta confere a verdade e a base, tanto ao micro e ao macro poder. É possível aplicar ao município, a menor unidade do Estado, muitos dos atributos que Maturana descreveu (1996: 41) e que são perceptíveis numa célula viva:

"transporto da biologia a representação que a vida encontrou na organização da sua competência e os limites da membrana constituindo uma unidade. Essa unidade é capaz de se reproduzir e ao mesmo tempo constituir na ordem de outras células um organismo coerente e que por sua vez forma outra unidade. O artista possui sua unidade competência e os seu limites mas ao mesmo tempo possui a potencialidade de constituir um organismo institucional na qual soma e aumenta e sua autonomia".

Existe um preço para manter um país continental, por meio da política proveniente das pequenas células municipais. Porém vale a pena correr o risco se for considerado o recurso às comunicações como ferramenta eficiente para a potencial segurança de uma nação. A escolha desta política evita que uma nação seja refém de corporações ou de poucos indivíduos. Evita que ideologias associadas à estéticas irreconciliáveis leve para duras e esterilizantes maniqueísmos. Maniqueísmos como frente ao termo modernismo em relação qual Durand apontou (1989: 05) que

"a partir da conversão ao modernismo dos intelectuais mais ativos no jornalismo cultural e na crítica de arte, a história do campo das artes plásticas ficou clivado por uma espécie de periodização maniqueísta na qual tudo o que se refere à fase acadêmica como que lembra conformismo, subserviência ao estrangeiro e conservação estética e tudo o que diz respeito ao advento do modernismo como que se recobre de criatividade, ousadia e autenticidade nacional".

Maniqueísmos que conduzem para infindáveis paradigmas inconsequentes para uma nação. Maniqueísmos cuja saída é a imponderabilidade de um "laissez-faire" político, econômico, social e cultural.

No universo do uso adequado e coerente das ferramentas das comunicações numérica digitais vale a pena pulverizar este poder proveniente de um símbolo unificador. O apoio físico das comunicações instantâneas com a garantia da segurança repousa na possibilidade de controlar e unificar novamente esta dispersão nas pequenas células municipais. Esta possibilidade de unificar a dispersão foi apontada por um por jornal de Porto Alegre, em 2002 quando apontou que:

"o bem sucedido uso da Internet para o tributo tão universal como o Imposto de Renda parece indicar que a informática constituiria um caminho bastante transparente, econômico e facilmente finalizável para toda a estrutura fiscal".

No contraditório o poder indígena do México e do Peru pré-colombiano era uno, personalizado e havia se cristalizado num canon mitificado e onipresente em práticas cujos ciclos eram comandados pelo ciclos implacáveis da Natureza. Este poder cristalizou-se fisicamente e colocado nas mãos de um único indivíduo divinizado. Os europeus entenderam esta cristalização do poder num único indivíduo e esta falta de transparência. Apropriaram-se destes impérios ao aprisionarem o imperador indígena e, ao desconsiderar e desqualificar o mitificado canon indígena, o desmontaram do alto para baixo. Os conquistadores Cortez e Pizarro eram indivíduos vindos de baixo para cima e agiam como tais. A estes dois, e todos os seus semelhantes, pode-se atribuir-lhes as condições de "autonomia de gênio" na concepção de Pächt e derivados da cultura do Renascimento que anda acreditava que "a criatura humana era medida de todas as coisas". Estes indivíduos "gênios" agiam pessoalmente invocando como pretexto para a sua ação, o nome de um rei e de um projeto que acreditava ser coletivo e justo. Este rei não sabia o que estava sendo praticado em seu nome e muito menos concedeu a anuência para todas as ações destes "gênios". O rei havia sido transformado num símbolo coletivo que representava uma nação mantida por um pacto nacional coletivo. Em cima do rei e dos conquistadores pairava o projeto coletivo de sua nação que unia conceitualmente os indivíduos egocêntricos, temerários e singulares. O rei e o projeto coletivo da nação espanhola, caso Cortez e Pizarro tivessem fracassado, não seriam comprometidos com este revés pontual e individual. Estes dois indivíduos ibéricos nas suas ações temerárias revelam os fundamentos de toda a autêntica autoridade. Esta sabe delegar uma competência do seu poder no interior de limites contratais conhecidos e admitidos por todos de uma nação

No contraditório seria uma temeridade ignorar que as pequenas células municipais podem se tornarem cenários de desordem e de opressão. As rivalidades internas e as possibilidades de saque dos municípios mais fracos, de negociações desonestas, nos levam de volta ao horizonte dos feudos rivais. Basta observar as ações dos clãs rivais e antagônicos de morte, que ocorrem nos "Haitis", nas "Somálias" ou nos "Biafras" contemporâneos. Num cenário oposto, se alguns municípios escapassem desta desordem, sempre correriam o risco de constituir-se numa ilha de tranqüilidade e de prosperidade, no interior e no meio de uma nação cujo poder central estaria em perigo continuado e não confiável. Mas em ambos os casos constituem um câncer e uma excrescência mantida longe e a margem de um pacto nacional coerente.

Neste possível pacto nacional coerente da era da informática numérica digital, não se trata de um contrato arbitrário e inconsequente com o objetivo de pulverizar o poder e a autoridade. Contrato que no campo de forças e energias da educação formal escolar é dialético, mas permite contornar a pulverização do poder e da autoridade. Nas palavras de Hegel (1980: 133) esta dialética da educação formal institucional "deve impor-se como mediadora a razão que exige unidade enquanto a natureza solicita a diversidade". Pulverização que Schiller evitava e sanava (1963: 86) quando "a razão e a espiritualidade ficam despojados do abstrato unindo-se a natureza da qual toma sangue e carne, sendo que a tarefa da educação estética é fazer das belezas a Beleza". União dialética entre a Razão e Natureza potencializada na era da informática numérica digital pelos seus meios técnicos. Meios técnicos que são ferramentas potenciais para abrirem canais pelos quais circulam as energias de sangue único de um poder nacional. Circulação, que um lado opõe-se a tirania totalitária, neutra e impessoal do "Big Brother". Do outro neutraliza os egos que se julgam onipotentes, oniscientes, eternos e onipresentes de um único clã, grupo ou indivíduos. Estes são entes nocivos corrompem mais do que ajudam na circulação deste poder regenerador, pois capturam, como câncer, a energia de uma coletividade. O município constitui o termômetro da temperatura das forças, a medida da circulação dos poderes além de se oferecer como ponto do seu equilíbrio homeostático. Energia que matará as células municipais se deixar de circular ou a corromperá se for desproporcional e incoerente com aquela a quem pertence o poder originário de direito e de fato. Estas células municipais necessitam concentrar energias ao longo da construção de um longo, demorado e delicado processo para manter e reproduzir um projeto no interior dos respectivos contratos.

 

1.11 - O PODER ORIGINÁRIO, a INFORMATICA e as suas LUZES.

 

Não se trata do retorno à Era das Luzes e dos tiranos iluminados, onde predominavam a Razão Pura do cálculo sobre o pensamento e a Razão Prática transformada em prescrições de toda ordem. Tratam-se agora as luzes da informação, da imprensa e das comunicações. Elas constituem os faróis do coletivo. A luz não faz o carro, nem há carro por este carro por possuir faróis. Contudo as pessoas e os passageiros necessitam das luzes destes faróis para avançarem na escuridão.

Estes faróis da Razão Pura emitem luz linear e focal. No meio da Natureza complexa e incontáveis objetos esta luz focal da Razão Pura ilumina somente um único objeto, e um por vez. Além disto, é pouco seguro que este objeto seja o mais importante e determinante da civilização dada da cultura humana. Normalmente os fatos que chegam ao conhecimento coletivo são aqueles mais dramáticos aos sentidos humanos. Dai a importância da Arte como índice sensorial dos objetivos e dos objetos de uma civilização dada da cultura humana. Arte em companhia da História, que Marc Bloch (1976 : 30, 60) "situa-se entre o tempo que continua e ao mesmo tempo muda gera problemas de investigação". E que para Hannah Arendt representa (1983, p. 297) o:

"conceito central das duas ciências verdadeiramente novas da época moderna, a ciência natural e histórica, é o conceito de processo, que está fundada sobre uma experiência humana: a da ação. É apenas porque nós sabemos capazes de agir, de nos destacar do processo, que nós podemos conceber, e a História e a natureza como sistemas de um processo".

Arte e História que produzem, recolhem e divulgam informações provenientes no atrito dos incontáveis objetos na sua tensão com os objetivos humanos. Informações fidedignas e coerentes com o aqui e agora constituindo uma fonte da luz que orienta para o funcionamento do Estado. Este atrito alimenta-se das energias provenientes das tensões resultantes das percepções históricas entre a diacronia e a sincronia. Na simultaneidade e do acúmulo do presente (sincronia) interferem poderosamente as lembranças e heranças de um passado imutável e os receios, incertezas de um porvir sem garantias (diacronia). No seu Dicionário de Filosofia Ferrater Mora resume (1994: 860) diacronia como o "termo usado por Ferdinand Suassure (1857-1931) para a evolução no tempo da linguística". Esta tensão pode ser representados pelas eixos XY e que Anders Hansen traduziu (1998 : 99) como:

"a extensão horizontal do olhar é épica, pois pressupõe o tempo do percurso e o recitativo do ir a Tróia e volta para Ítaca. No eixo vertical situa-se o imaginário da experiência propriamente trágica: linha onde a máxima ascensão atingida pela potência já começa a desabar, transcendência vertical do destino irreversível, tal a flecha que cai quando atinge o auge do voo".

A tensão é gerada pelo acumulo vertical das diversas infraestruturas que se acumulam sincronicamente no atual Poder Originário. Estas luzes são essenciais e necessárias para a evolução diacrônica da origem, presente e futuro de um projeto e seus respectivos contratos. Contudo estas luzes não possuem significado algum se não estiverem focados em projetos e contratos específicos que se prolongam no tempo (diacronia). São meros relâmpagos ou fogos fátuos resultantes de energias acumuladas pontualmente (sincronia) e que se desfazem na instantaneidade de eventos pontuais. A humanidade só se encontra aquilo que procura. Para Descartes (1983: 43) "não há nada que esteja em nosso poder exceto os nossos pensamentos". Estes pensamentos necessitam, na sua busca incessante, de um projeto especifico fundado na Ciência e na Arte. Durkheim (1983: 111) não aceita barreiras "entre a Ciência e a Arte já não há um abismo, em vez disso, passa-se de uma para outra sem solução de continuidade". Esta passagem é realizado pelo ato de pensar que Hannah Arendt descreve (1983: 226) como:

"pensar é outra coisa do que conhecer. O pensamento, fonte das obras de arte, manifesta-se sem transformação nem transfiguração na grande filosofia, enquanto a principal manifestação dos processos cognitivos, pela quais adquirimos e acumulamos conhecimentos encontra0-se nas ciências. O conhecer persegue sempre um objetivo definido, que podem se fixar sobre consideração práticas, seja uma «vã curiosidade»; mas no momento que esse objetivo foi atingido, o processo cognitivo termina. O pensamento, ao contrário, não possui uma finalidade nem um objetivo fora de si mesmo: ele nem mesmo produz resultados".

O Poder Originário, orientado pelo pensamento contínuo, pode estabelecer objetivos finitos do seu conhecimento especifico e coerente com as suas competências e limites. Competente para decidir sobre o sentido que revelam as luzes de seus projetos específicos. Pensamento contínuo sensibilizado e humanizado pela Arte e lúcido pela Ciência e Razão. O papel do Estado é conhecer, conectar-se á energia e as luzes destes projetos proveniente da multiplicidade dos seus cidadãos e assim gerar, manter a tensão e reproduzir aquilo que constitui o bem, o belo e a verdade coletiva.

Para manter a autonomia destas decisões não existe espaço físico melhor do que os municípios nos quais seja possível organizar a sociedade civil. Os partidos possuem um papel fundamental nesta organização do poder originário. Este papel começa a dar corpo ao quarto poder no âmbito do município.

 

1.12 – A DEMOCRACIA como VIRTUDE COMPLEXA e

CARACTERÍSTICA de SOCIEDADES EVOLUÍDAS.

 

O pior prejuízo que a Democracia pode sofrer é reduzi-la a uma definição pinçada entre os seus incontáveis componentes e fixá-la definitivamente neste rumo exclusivo. A prática democrática seria reduzida a um catálogo daquilo que se deve ou não deve fazer com um único rumo exclusivo e preso à uma singela normatização. Este rebaixamento ao fazer encontra a sua justificativa numa interrogação axiomática que a semelhança da "arte pura leva ao paroxismo tendências de épocas anteriores ao submeter à explicação e à sistematização os princípios próprio a cada tipo de expressão artística se deve ou não se deve fazer" como escreveu Pierre Bourdieu (1987: 113). Esta interrogação axiomática encontra no campo político a sua redução ao simples e singelo fazer do voto. Ritual do voto e interrogação axiomática constituem a morte da Democracia. Outras vezes ela cai no extremo oposta e se cansa da interrogação axiomática quando é confundida com a tolerância ou com a preguiça para enfrentar as mudanças que são da sua natureza e necessárias para a sua vida e coerência. Mudanças que ela necessitaria fazer para enfrentar novos problemas e que desafiam outras formas da vigilância perpétua na qual ela se sustenta contra os seus inimigos naturais. Inimigos que lhe querem impor componentes fixos nos seus repertórios tirânicos e a prendem, como sendo os seus donos, em ambientes políticos fechados. Estes donos buscam ostentar para o mundo externo, com o mote da Democracia, a sua redução e o seu uso como de marketing, propaganda e máscara dos seus próprios interesses.

Entende-se a Democracia, no plano etimológico, como o governo do povo para o povo. Vista pelo lado da cidadania acompanha-se a concepção de Mary Follet (in Carvalho, 1979: 60) de que:

"só teremos democracia verdadeira quando os jovens não mais forem doutrinados, mas formados no caráter da democracia. Portanto o meu dever como cidadão não se esgotou naquilo que trago para o Estado. Meu teste como cidadão é quão plenamente o todo é expresso em mim ou através de mim".

No plano do projeto nacional Skinner coloca (1980: 207) a Democracia como "o povo planejando as contingências nas quais irá vive". Esta mesma esperança é perceptível em Schiller no texto em descreve (1963, p. 102) as virtudes agregadores do fundo e da forma presente num estado estético:

"não se pode chamar injustos aqueles que declaram o estado estético o mais fértil com vistas ao conhecimento e à moral. Tem plena razão, pois uma afirmação do espírito que abarca em si o todo da humanidade não pode deixar de abarcar também, virtualmente, qualquer manifestação isolada; numa postura do espírito que afasta todos os limites da totalidade da natureza humana afasta-os também, com necessidade, de todas as exteriorizações individuais. Por não proteger de modo exclusivo nenhuma das funções da humanidade, ela favorece todas, sem exceção, e se não favorece nenhuma isoladamente é por ser condição da possibilidade de todas elas".

As virtudes agregadoras do fundo e da forma, presentes num estado estético, possuem características muito semelhantes ao questionamento de Marilena Chaui quando ela questiona e argumenta (1981, p.85) ao estado político no qual "a interrogação acerca da democracia é uma indagação em que estamos todos implicados como sujeitos, sem que possamos reivindicar o lugar imaginário do saber separado". Na direção comportamental o norte americano Wright Mills distingue (1975: pp.410/1) que:

"duas coisas são necessárias a uma democracia: públicos articulados e informados líderes políticos que, se não á homens de pensamento, sejam pelo menos razoavelmente responsáveis perante o público informado que exista. Somente quando públicos e lideres são responsáveis e de responsabilidade, podem as questões humanas ser submetidas a uma ordem democrática, e somente Quando o conhecimento tem importância pública é possível essa ordem. Somente quando o pensamento tem uma base autônoma, independente do poder, mas poderosamente ligada a ele, pode exercer sua força no condicionamento dos assuntos humanos".

Contudo se no plano teórico exige-se um imenso esforço para uma aproximação mínima de algum esboço de definição. Na sua prática a dificuldades aumenta. Para que possa existir, neste mundo prático este governo que se quer democrático - do povo e para o povo - ele necessita admitir numerosos e variados componentes contrários ao fixo, ao único e ao fechado. O filósofo Platão foi implacável afirmando (1983 308) que "a democracia abriga um bazar de sistemas políticos". Esta diversidade favorece a possibilidade de um trabalho teórico separado devido a diversidade empírica que apresenta cada tenda deste bazar. A possibilidade da construção teórica da Democracia separada a partir da multiplicidade das suas tentativas no mundo empírico possibilita cultivar o processo à semelhança do que foi escrito por Pierre Bourdieu quando afirmou (1987 p.103) que:

"devido aos progressos da divisão do trabalho, a diferenciação da obra de arte, como mercadoria e a aparição de uma categoria particular de bens específicos destinados ao mercado, propiciaram condições favoráveis a uma teoria pura de arte. Instaurada na dissociação entre a arte como simples mercadoria e a arte como pura significação."

Se este mundo teórico da democracia ainda está disperso nas múltiplas versões e experiências, maior é a dificuldade ao querer implantar a democracia no mundo prático. Em especial no âmbito da era industrial esta contradição é mais forte e que Olivio Dutra sentiu ao escrever (1983: 04) "pode-se falar em democracia da porta da fábrica para fora. Da porta da fábrica para dentro, não pode". Torna-se também competente para enfrentar a constante insegurança como afirma Chaui (in Lefort, 1983: intr.) que "a democracia possui a capacidade de questionar as suas instituições e abrir-se para história sem possuir garantias previas"

Quando estes componentes são reduzidos a um ou outro componente fixo, tanto no campo teórico como no empírico, eles passam a se hostilizarem, contradizerem e não caberem nesta fórmula fixa, única e primária. Na medida em que os variados componentes de Democracia deixarem de se hostilizar e contradizer eles se tornarão complementares e ganham sentido como polos de energias opostas. Provocam permanentes alterações neste equilíbrio homeostático entre forças contrários e instáveis e em permanente estado crítico nesta polaridade de opostos. Os quatro pilares, ou eixos, apresentados no presente texto buscam este equilíbrio homeostático entre forças contrários e instáveis e em permanente estado crítico e que são complementares entre si. O vasto campo do mundo empírico, no qual age a Democracia, estende-se muito além deste modelo teórico. A atividade da própria Ciência que na concepção de Kuhn (1997 p. 25) segue contratos que "são denominados de revoluções científicas os episódios extraordinários nos quais ocorre a alteração de compromissos profissionais. As revoluções científicas são os complementos desintegradores da tradição à qual a atividade da ciência normal está ligada". Respeitando esta oscilação o presente texto acalenta apenas o projeto de querer fugir do fixo, do silêncio, do imponderável e da conivência com as corrupções e reducionismos de que padece a prática da Democracia. Neste âmbito é possível admitir uma espécie de autonomia proveniente da estética na que Rosenfeld comentando (1963, pp. 16/7) a partir da leitura de Schiller.

"O feito de Kant é ter definido, com grande precisão, a peculiaridade e autonomia do gosto estético dos objetos a que se refere, diferenciando-os, de um lado, radicalmente do conhecimento e do julgar lógicos e, de outro lado, do aprovar moral e dos princípios morais. Kant concebeu entre a função teórica do nosso intelecto – que se refere ao conhecimento das leis morais, isto é, daquilo que não é, mas deve ser – uma terceira função, inteiramente autônoma, intermediária entre as outras. Esta terceira função, numa das suas especificações, constitui o gosto estético que, portanto não pode ser reduzida nem a conhecimento lógico-científico, nem à razão enquanto determinadora do imperativo moral (isto é das normas da nossa vontade)".

Na base do gráfico (03) constam como infraestrutura as NECESSIDADES BÁSICAS HUMANAS . O acúmulo gradativo, neste campo de energias, culmina nas condições e circunstâncias da Democracia colocada no centro de convergência de três outros campos de forças. As energias da infraestrutura podem serem expressas e tomar formas em mentalidades, em discursos e textos consagrados ou ações de pessoas consideradas paradigmáticas. Estas energias se legitimaram e convergem para serem elementos de um contrato coletivo ou autoridade legitimada. Não há como esquecer que os termos, deste contrato, são entes primitivos e que Kuhn coloca (1997: 23) na medida em que "a pesquisa eficaz raramente começa antes que uma comunidade científica pense ter adquirido respostas seguras".

 

Círio Simon 1986

Gráfico 03 – Os quatro polos da democracia.

 

Na parte superior do gráfico coloca-se o EQUILÍBRIO entre o "EU" o "TU". Equilíbrio que não significa um ponto médio fixo de um "NÓS" emergente entre as variadas forças e energias que compõe este campo de energias críticas.

Aceita-se a concepção de equilíbrio que o poeta Schiller descreveu (1963: 98) como "os pratos da balança equilibram-se quando vazios e também, quando suportam pesos iguais" . O mesmo poeta e educador Schiller avança (1963: 52) em direção à excelência do equilíbrio ao humano e ao seu objetivo de pertencer à uma época, lugar e grupo humano onde "a tensão de forças espirituais isoladas gera homens extraordinários, mas apenas a temperatura uniforme delas os faz felizes e perfeitos". Esta "temperatura uniforme" pode ser aceita como uma metáfora do clima gerado pela Democracia. Este equilíbrio e esta temperatura uniforme - gerados pela Democracia - agem de forma homeostática. Não possuem a esperança de um único ponto médio fixo imutável e imponderável em todos os tempos e lugares. A Democracia possui muitos pontos em comum com a Arte. Ambas gozam e necessitam da interdisciplinaridade neste vasto âmbito. Para ambas pode-se aplicar o que Schiller escreveu (1963:35) sendo que:

"o mérito espiritual da arte não pesa, e ela, roubada de todo estímulo desaparece do ruidoso mercado do século. Mesmo o espírito de investigação filosófica rouba uma província após outra à imaginação, e as fronteiras da Arte vão se estreitando na medida em que a ciência amplia as suas".

Mesmo neste gradativo estreitamento das suas fronteiras a Democracia ainda conserva a sua vida enquanto existir a homeostase entre os extremos de seu contínuo. Os extremos representam a tendência comandada por esta homeostase contínua, a semelhança do gráfico dos quatro polos da democracia. Os vetores do "EU" e do "TU" conduzem os projetos e os esforços humanos a uma destas oscilações continuadas. Para que esta oscilação seja contínua, Habermas argumenta (1979: 56) que o EU naturalizado é um erro. O erro parte "da noção de que o pensamento pressupõe a unidade transcendental do EU é tão falha, ontologicamente, quanto a suposição de que a geração de objetos estéticos implica a unidade criativa do sujeito". Nesta concepção Hannah Arendt escreveu (1983 p. 322) que

"Uma tendência persistente da filosofia moderna, depois de Descartes, talvez a sua contribuição a mais original para a filosofa, é o cuidado exclusivo do EU, por oposição à alma, à pessoa, ao homem em geral, a tentativa de redução total das experiências que se desenrolam entre o homem e seu EU.. Não é a alienação do EU, como acreditava Marx, que caracteriza a época moderna, é a alienação em relação com o mundo"

Uma das façanhas do artista Fernando Pessoa (1888-1935) foi realizar o transito poético ente o EU UNO para o TU MÚLTIPLO através dos HETERONIMOS. A grande contribuição do artista criador foi ser capaz, de no seu LIRISMO, contornar tanto o NÓS como a EPOPÉIA descritiva de um OUTRO. Com estas estratégias poéticas o criador lusitano manteve a autonomia e coerência entre o EU, o TU e o NÓS.

Na parte esquerda do gráfico coloca-se a AUTONOMIA deste "EU" depois de livrar-se da heteronímia e da anomia Esta autonomia determina a moralidade e historicidade dos atos deste "EU" e apto as condições e as circunstâncias da Democracia concebida como uma construção artificial e também correndo os riscos permanentes da entropia e do caos.

Na parte direita do gráfico coloca-se o "TU" que busca expressar-se por meio da INTERAÇÃO progressiva com os demais seres humanos depois de galgar os degraus da cooperação e da participação emocional. No estágio da interação pode deliberar e decidir em relação às perdas e os lucros antes, durante e após as ações empreendidas no meio social e conduzidas num projeto coletivo. Este projeto coletivo converge para as condições e as circunstâncias da Democracia conhecendo e evitando também os riscos permanentes da entropia e do caos.

 

 

1.13 - VOTO NÃO É DEMOCRACIA EM SI MESMO.

 

"A improvisação de curiosos em competentes"

Campos, 1931, p. 05

 

A Democracia participa da concepção, da circulação e da atualização na linha de pensamento que acompanha o trânsito de uma obra de arte por este mundo. O pensador Recht esclarece (1998: 8) que:

"possuímos o sentimento de que mais que o artista, é a obra de arte singular que se emancipa. Ela tenta ao longo dos séculos XII, VIV e XV, um longo processo de autonomização que irá afastá-la cada vez mais de seu caráter «funcional» de objeto de culto para fazê-la entrar na economia do mercado e subir assim ao estatuto de, objeto de coleção particular, entregue ao prazer da posse do seu proprietário pois, num terceiro tempo enfim, a da obra de arte destinada a coleção publica, à instituição patrimonial e ao museu. A cada uma dessas fases do destino da passado corresponde uma mudança que afeta a concepção de arte que lhe é contemporânea".

Está concepção da migração da obra de Arte transferida para democracia materializa-se no voto. O artista, tão bem como o eleitor, percebe a sua obra, ou seu voto, fugir-lhe das mãos e perdem a autonomia sobre ele. O voto, tão bem como a obra de Arte o voto, também está cercado de riscos permanentes da entropia e do caos a partir do seu portal de entrada da democracia e da Arte. A sua corrupção pode encenar-se por meio de um pseudo voto como obra falsa. De fato o voto pertence ao universo das verdades adequação e que Todorov sintetizou (in Oliven, 1992: 24) como "a verdade-adequação não conhece outra medida que o tudo ou nada". Nestas necessárias verdades adequação instaura e segue rituais que permitido ao público o que ele deseja, delibera e determina e que possuem apenas afastar as tensões inerentes ao exercício do poder. Um péssimo governo possui na sua raiz e princípio a corrupção do ótimo, a Democracia entre eles. Os latinos já sentenciavam a "corrupção dos ótimos é péssima".

Interesses pouco claros transformaram o voto numa "armadilha" cíclica e compulsória na qual perecem as melhores intenções e germina a corrupção dos eleitores e eleitos. Aparentemente uma tirania não atinge o pensamento e deixa livre o exercício de uma mentalidade. Este é uma meia verdade pois o controle sobre o corpo impede, distorce e reduz a possibilidade da expressão desta mentalidade e pensamento. Na concepção Umberto Eco, numa divulgação de Calligari (1995 cad.5 p.6) denuncia "o controle físico afeta os valores espirituais. A referência ao corpo é importante porque nenhuma ditadura pode paralisar nossa possibilidade de pensar, mas ela pode impedir nossa possibilidade de expressar este pensamento com a língua." Assim, no caso do voto eletrônico, todo o discurso do cidadão é silenciado e reduzido ao gesto de tocar alguma teclas e da qual não recebe outro feedback do que o "FIM". Diante desta distorção e reducionismo das deliberações e decisões do cidadão pelo atual sistema de votar não é possível do que denunciar uma armadilha.

A falta de um contrato claro e previamente pactuado, mergulha em meias verdades pontuais e transitórias e arrasta o eleitor para esta "armadilha". Nela perecem as boas intenções dos cidadãos que se tornam agentes involuntários a contragosto da corrupção da Democracia. O voto dado nestas circunstâncias da heteronímia da vontade do eleitor não legitima nenhum contrato digno deste nome. A carência contratual clara e consciente oportuniza aos eleitos tomam-se a liberdade para amplia o raio da corrupção. A maior boa vontade do eleitor - apanhado por esta rede colocada compulsória legalmente no seu caminho - é o início de um grande mal. Basta ler Guimarães Rosa:

"Querer o bem com demais força e de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal por principiar. Esses homens ! Todos puxavam o mundo para si, para concertar consertando. Mas cada um só vê e entende as coisas dum seu modo"

O voto compulsório corrompido tornou-se um ídolo. Todo ídolo possui os seus profetas, sacerdotes e sacerdotisas. Os profetas da democracia já morrerem há muito tempo e – como bons profetas - não escreveram. Ou - se escreveram - dizem pouco para a atual infraestrutura da era da informação digital numérica. Nesta atualidade Paul Ricœur demonstrou a falácia "de um voto por eleitor", que gera apenas uma maioria numérica amorfa e pontual que se dissipa logo até pela falta de um contrato digno deste nome.

Esquemas de marketing e propaganda são competentes para eleger pessoas comprometidas com os interesses da corporação e dos eleitos. A Democracia é corrompida até o cerne no espaço público. As corporações - que conduzem e armam e financiam este marketing e propaganda eleitoral – realizam este investimento em troca de favores. Constroem um governo que lhes deve cargos, uma pauta favorável e o direito de se imiscuírem nos atos administrativos dos eleitos. Um descarado populismo encobre e dissimula esta promiscuidade. Este populismo corre pelo leito de todas as formas de colonialismo e da escravidão que constituem pragas endêmicas na América Latina.

No populismo o voto foi reduzido a um ritual compulsório que deve ser conduzido com todo cerimonial de uma corte ao melhor estilo dos faraós, imperadores e ditadores de toda a ordem. Porém o regime permanece o mesmo desde o Brasil Colonial.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Revista Madrugada - Porto Alegre - ano 1 - nº 5 - 04.12.1926 s/p

 

As ruas transformam-se em templos para este corporativismo e nos quais os seus sacerdotes, os mediadores e os interesseiros fazem desfilar os seus coloridos ídolos pós-modernos. Estes sacerdotes, mediadores e os interesseiros apregoam as suas magras vantagens, nestes templos leigos das avenidas, usando as trombetas do marketing para corromper o voto do eleitor. Para tanto fazem promessas e juras impossíveis de levar ao mundo prático.

Os candidatos são transformados em "santinhos" pela graça do marketing e a propaganda eleitoral. Estes instrumentos das imagens transformam-se em linguagem que Otto Pächt condena (1994: 112) pois:

"a paixão quase frenética que se alimenta hoje pela iconografia nos aprisiona numa esfera dependente da linguagem, que autoriza enunciados, em que haja necessidade de empreender o trabalho difícil de traduzir a partir de uma linguagem diferente, que dizer, transpor para um outro meio, num outro elemento, as características da obra visual".

Os olhos dos potenciais eleitores são bombardeados por um arsenal interminável de ícones. Os seus ouvidos são saturados até o limite pelos sons os mais estridentes de jingles repetitivos e do mau gosto mais horroroso possível. Muito poucos percebem quais as reais fontes dos fundos partidários e os interesses determinantes do marketing e a propaganda eleitoral que se esconde nestes produtos da cultura industrial. Empresas, escritórios, agências bancárias aguardam e necessitam destes eventos para movimentar consideráveis somas de cuja natureza e fluxo e destinatários o eleitor permanece muito distante. A distância entre o domínio linguístico e os campos da Filosofia e da Psicologia é perceptível na separação intencional pelo campo de forças marketing e da propaganda eleitoral. Esta clivagem contraria o Lyons ao escrever (1976: 95) que "a linguística não pode ser separada da filosofia e da psicologia". Por sua vez Maturana e Varela descrevem (1996: 180) a lógica do domínio linguístico ao "designamos como domínio linguístico de um organismo ao domínio de todas suas condutas linguísticas. Os domínios linguísticos são, em geral, variáveis e mudam ao longo das ontogenias dos organismos que os geram". Este domínio das condutas linguísticas do cidadão autônomo é jogada, violentamente, na heteronímia pelo marketing e pela propaganda eleitoral. Estes necessitam impostar, não só uma nova linguagem, mas modificar aos genes do repertorio do eleitor, violando e adulterando o centro da vontade das ontogenias dos organismos que os geram. A separação violenta e quase irreparável entre a verdade filosófica e verdade científica legitima os discursos, as práticas e os resultados irreconciliáveis entre si mesmos. Esta ruptura foi registrada por Arendt quando distingue (1983: 364) "a verdade científica e verdade filosófica estão quites uma com a outra; a verdade científica não tem mais necessidade de ser eterna, ela não tem inclusive necessidade de ser compreensível, nem de convir a razão humana". O contrato entre eleitor e o eleito cessa no ritual e no fugaz instante do voto eletrônico. O eleitor seguiu a singela e incompreensível verdade científica do voto e que de fato não passa de um placebo da democracia. O que contraria qualquer projeto democrático é constar que eleitor exerce este ritual com o intuito primeiro de escapar das sanções que a sua faltar às unas poderia gerar. Assim o candidato eleito é aquele cujo nome e imagem a propaganda e marketing político conseguiu gravar na sua memória individual e cuja lembrança o eleitor irá apagar logo após o ato de ele digitar o número e ver o "santinho" promocional.

Aos eleitos - por meio deste ritual – nem se atrevem a cobrar do seu eleitor a fidelidade ao voto dado. Pudera existir tal contrato. Porém ele não é eleitor no senso estrito do termo, mas apenas um perpétuo enganado Diante desta infidelidade do eleitor, o eleito também passa a pergunta-se:

- Por que o eleito necessita ser fiel aos seus eleitores?

Mas o efeito do analgésico do marketing e da propaganda subliminares e massivas necessita serem esquecidos, apagados completamente e o mais rápido possível da memória do eleitor. Esquecimento de nome e do "santinho" promocional do candidato é necessário para o eleitor, pois provoca nele dores e constrangimentos por ele ter sido jogado na heteronomia da propaganda e marketing subliminar. Num tácito contrato - que beira a mais completa heteronímia da vontade - o eleitor dispensa o eleito da fidelidade a tudo que prometeu. O eleitor não possui nenhum instrumento legal para cobrar efetivamente as promessas e que se transformam em nuvens passageiras de verão.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

É necessário denunciar a fragilidade de um contrato honesto entre duas partes quando o eleitor é coagido e obrigado à votar. O eleitor encontra-se na mais profunda heteronímia quando submetido ao VOTO COMPULSÓRIO. Os atos humanos são passiveis de sanção moral apenas quando a sua vontade está em pleno gozo da sua autonomia para deliberar e decidir. Quando a vontade do eleitor está mergulhada na heteronímia ela não tem mais nada a fazer, senão varrer de sua memória à humilhação a que foi submetida ao ritual externo e formal do VOTO COMPULSÓRIO. A incômoda a memória da humilhação pública do engodo da sua autonomia é proveniente do pseudo voto a que o eleitor foi submetido deliberar e decidir, sem garantia de um depois desta ação compulsória. Neste imenso espaço "do depois" o eleitor possui o direito de apagar de sua memória toda a fidelidade ao eleito quando percebe ter sido vítima de um voto corrompido por interesses alheios expressos numa meia verdade. Com este direito abala todo o edifício de uma civilização humana fundada sobre uma meia Democracia. Esta meia Democracia permite que alguns socializem prejuízos e arranquem corações e mentes em proveito e lucros exclusivos para si e para o seu grupo de interesses inconfessáveis. Destas circunstâncias inconfessáveis decorrem os cargos e a funções exercidas na administração pública do Estado.

Estas circunstâncias inconfessáveis o corrompem o voto e se projeta sobre toda a vida da Democracia atrapalhando mais do que ajudando.

Contra esta corrupção de origem do mandato não há como deixar de lembrar a forma adotada em Atenas para preencher os cargos públicos. Para Aristóteles (1998)

"a Democracia é uma forma de governo na qual os cidadãos distribuem os cargos estatais entre si por sorteio, enquanto na Oligarquia a qualificação é por propriedade e na Aristocracia, por educação…"

A condição do candidato era de ter completado 30 anos de idade. A função durava um ano podendo ser reconduzido ao cargo como aconteceu 23 vezes com Péricles. A insistência na educação pode significar a aspiração subliminar de todos a serem ARISTOCRATAS.

 

Onde se encontra a essência da vida na democracia?

A vida na Democracia é competente para circular no âmbito do Poder Originário. Contudo esta vida na democracia só toma forma quando, este Poder Originário, possui consciência de sua voz e vez. A autonomia da sua vontade própria expressa e audível por todos da sua voz para deliberar e vez para com direito de decidir antes durante e depois de qualquer ação coletiva. O poeta, dramaturgo e pedagogo Schiller é categórico ao afirmar (1963, p. 95) que "Somente daquele que tem consciência de si pode-se exigir razão, isto é, coerência absoluta e universalidade de consciência; antes disto ele não é homem e nenhum ato humanidade pode ser esperado dele". A partir desta consciência esta voz, a vez para deliberar e de decidir acontece quando em alguma forma de Democracia explícita o contrato de que o poder emana do povo de fato e de direito. Neste contrato supõe - entre outras coisas - a autorização para conferir, ou não, as FUNÇÕES de um CARGO público legalmente existente destinando-o para pessoas qualificadas o exerçam por um tempo determinado. Este próprio cargo público já pré existe na autorização do poder originário e para funções com vistas à governabilidade de uma sociedade. Um CARGO público jamais existe para que o seu ocupante socialize prejuízos e embolse lucros pessoais ou o transforme num feudo de poder pessoal.

A Democracia não é apenas um exercício de equilíbrio homeostático de forças bipolar e maniqueísta entre dois pólos antagônicos. A Democracia resulta de transformações múltiplas, profundas e verdadeiras resultantes de contratos autênticos e coerentes entre quem cede e quem recebe o poder. Ela mantém, enquanto viva, um equilíbrio homeostático entre forças antagônicas que se envolvem em contratos no âmbito dos quais o poder é transformado em autoridade. Esta a transformação do poder em autoridade resulta do processo da interação entre o votante e o votado. Este processo é poucas vezes evidenciado e percebido no âmbito da homeostase múltipla. Os agentes se agarram aos rituais e formalismos legais do voto compulsório. O autêntico processo da interação entre o votante e o votado só é coerente com a democracia quando transforma e reforça o equilíbrio construído e continuado entre o EU e o OUTRO. O EU que renuncia o seu poder pessoal em favor do OUTRO, autoriza-o a exercer este poder para além do momento do ritual do voto. Deste equilíbrio homeostático de Democracia decorre a necessidade da perpetua vigilância a ser exercido basicamente pelo seu Poder Originário.

A autoridade torna-se inútil para as funções públicas, senão profundamente prejudiciais, quando carecem de contratos profundos, coerentes e verdadeiros entre quem cede e quem recebe o exercício efetivo do poder. Sem este contrato público os atos do exercício o poder governamentais desta autoridade tornam-se débeis, inúteis ou prejudiciais. Um ocupante de um CARGO público, mesmo legitimado por um voto pontual e questionável e sem um contrato com quem lhe cede o poder, normalmente passa a se preocupar apenas em socializar prejuízos e embolsar lucros pessoais. O poder originário do voto compulsório passa a ser neutralizado num ritual de um voto corrompido e controlado antes e depois da eleição. O poder originário, diante desta pseudo-autoridade, cai na mais absoluta heteronomia. A pseudo autoridade, refugiada por traz da máscara e do ritual do voto compulsório, que legitimou aparentemente a quem ocupa o CARGO e se encontra muito longe das FUNÇÕES previstas em lei. Um CARGO público é instituído pela vontade e em FUNÇÃO do poder originário. Porém esta pseudo autoridade aniquila a vontade do poder originário pelo ritual do voto conduzido pelos sacerdotes e sacerdotisas do corporativismo interesseiro do seu continuísmo no poder pelo poder. Esta pseudo autoridade anula e corrompe todas as configurações como no caso de um jogo fraudado. Nesta configuração Chartier registrou (1998 : 244) que "os jogadores não incluem só o seu intelecto individual. Mas toda a sua pessoa, suas ações e relações sociais". O jogo politico, fraudado por uma pseudo autoridade, corrompe-se e se esteriliza os contratos profundos e verdadeiros entre quem cede e quem recebe o poder como autoridade. O pior provém do fato de que na Politica, no Esporte e na Arte não existir forma como pedir perdão, pois estas ações resultam da livre aceitação das regras e dos contratos destes campos de forças e competências humanas.

 

 

 

1.14 - ESTADOS SOBERANOS da AMÉRICA.

 

O Decreto que proclamou a República concedeu soberania aos estados regionais brasileiros. Esta massa de "soberanias" levou á uma forma de anomia coletiva onde todos mandavam e ninguém obedecia. A revolução de 1930 e depois a Estado Novo nomeou interventores, queimou as bandeiras regionais e os seus demais símbolos

Em 2013 o Brasil é reconhecido juridicamente soberano e os estados regionais receberam autonomia no âmbito da Constituição de 1988. Esta autonomia compõe-se de uma competência e os seus limites.

Porém não adiantam estas distinções quando a pobreza não goza de autonomia e muito menos soberania. A pobreza não pode salvar a própria pobreza. A pobreza se expressa e se reproduz indefinidamente na sociedade de "lumpen", no máximo. As favelas brotaram como coroas de espinhos cercando todos os núcleos urbanos da América. Não adiante soberania dos Estados americanos inclusive os ricos EEUU. Uma sociedade de "lumpen" resulta de um entendimento equivocado dos Estados que se entregaram o seu poder à lideranças de corporações públicas, ou privadas, que sufocam todas as aspirações políticas de um povo que deveria ser o protagonista.

Ao Brasil não adiantou desfazer-se do Regime Colonial lusitano ou imperial. Estes regimes foram substituídos pelo conceito de etapas ao longo do Regime Republicano. Segundo Mota, (1980: 239) estas etapas levaram ao:

"dualismo, a visão em etapas do processo econômico e cultural, a rigidez dos conceitos para entender as variações de uma sociedade de massas, que veio a substituir os quadros de oligarquia, não bastam e não bastaram para enfrentar tão complexo tema"

Premido pela necessidade urgente de enfrentar o tão complexo tema do dualismo subliminar, o que se propõe, aqui, é o protagonismo do político para transformar as contradições e complementariedades. Protagonismo que seja competente para enxergar por cima das muralhas das contradições e das grades das mansões daqueles encastelados nos seus bens materiais. Protagonismo que se faz solidário com quem vive no isolamento físico e sob os pobres tetos das favelas. Protagonismo do cientista jurídico que se opõe à tradição, à mentalidade e à visão de que a lei precede o fato, inclusive econômico. Em 2000 Faccioni escreveu que:

"a partir da Constituinte de 1988, na qual muito batalhei pelo aperfeiçoamento e pela dinamização dos tribunais de Contas do Brasil, acabou-se ampliando sua ação em termos de fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial sobre os três poderes do Estado e todas as atividades de administração direta e indireta, inclusive os municípios"

Caberia aos cientistas jurídicas estudar as possibilidades e as potencialidades do Poder Originário possui nesta interação simultânea com os três poderes de um Estado. Depois de obter um padrão desta interação efetiva, ampliar este estudo aos diversos países soberanos das Américas. Após verificar como Poder Originário e os Estados realizaram estudos dos processos de interação e autônomas das pressões econômicas, políticas partidárias e ideológicas.

Os cientistas jurídicos constituem uma das categorias profissionais mais organizadas e com a tradição proveniente de Oxford, Salamanca e Coimbra. As sociedades evoluídas o são na mediada em que é possível distinguir o "Homo Academicus" na concepção de Bourdieu. Este escreveu (1996b: 206 /7) que:

"o homo academicus, é alguém que pode jogar a sério, porque seu estado (ou Estado) lhe assegura todos os meios de fazê-lo, isto é, o tempo livre, liberando-o das urgências da vida; a competência, assegurada por um aprendizado específico com base na skholé, e, por último, e de maneira especial, a disposição a investir, a envolver-se nas relações fúteis, pelo menos aos olhos das pessoas sérias."

No o Brasil este "Homo Academicus" de Bourdieu é ainda temporão. No entanto seria ainda uma Colônia Escravocrata se tivesse se orientado pelas tradições, pelas mentalidades e pelas visões legais forjadas nos moldes de Coimbra.

Os legisladores argentinos, reunidos em Tucuman, no dia 09 de julho de 1816, proclamaram a independência. O 09 de julho é para a Argentina aquilo que significa para os EE UU o 04 de julho de 1776. Os méritos desta origem cabem aos "pais da pátria" que quebraram a ordem colonial e instalaram a soberania de suas pátrias contra a ordem das metrópoles colonialistas.

Caberia aos juristas, de todas as nações americanas, continuar, desenvolver e reproduzir em todas as instâncias continentais a semente da obra dos legisladores lançada em Tucuman. A era da informação numérica digital oferece ferramentas aptas para revisar e corrigir a heteronímia do Poder Originário de cada Estado e município e assim continuar, desenvolver e reproduzir a semente lançada pelos "pais da pátria". Com estas veredas abertas pelas Ciências Jurídicas os homens de negócio e os empresários teriam caminhos bem mais seguros. Cabe saber se os atuais juristas possuem por projeto e tem condições para querem prosseguir neste caminho da soberania nacional. Na visita às bases históricas percebe-se ainda a obra dos "pais da pátria" e o seu protagonismo como cientistas jurídicos. Obra que tornavam as províncias coloniais independentes das metrópoles coloniais. Mesmo que os grêmios cientistas jurídicos se digladiarem entre si mesmos, sempre coube ao Poder Originário para deliberar e arbitrar em relação ao bem, ao belo e ao direito comum. As luzes geradas pelas energias das disputas de poder nos intensos conflitos internos dos cientistas jurídicos permitem alimentar, mover e reproduzir a obra dos "pais da pátria". Os instrumentos da era da informação numérica digital vieram somar-se ao trabalho a favor do projeto inicial. Eles permitem atualizar e continuar a sua fertilidade já demonstrada pelo Poder Originário nas nações das três Américas ao longo do transcurso contínuo de dois séculos de soberania.

No período em estes estados da América do Sul soberanos e venceram o regime colonial realizaram conquistas fundamentais. Conquistas que mais os une do que separam e que permitem que não só ocupem o mesmo continente com um passado semelhante e projetos semelhantes. Em 2013 todos eles possuem por base a regime republicano. Todos eles estão formalmente em paz uns com os outros. Todos eles, sem exceção, aboliram a pena de morte, baniram as armas nucleares e terminaram com os regimes ditatoriais salvacionistas com a presença preponderante dos militares nos seus governos centrais. Todos eles, sem exceção, necessitam enfrentar os abismos econômicos e com reflexos na fome das suas populações, nas favelas, na educação precária e na preservação da biosfera ameaçada.